A título de comparação, no jogo global a ordem mundial é o que define quem manda, quem obedece e quais são as regras do jogo neste sistema onde as grandes potências mundiais e os países menos favorecidos estão inseridos.
No decorrer das últimas semanas tivemos conversas muito construtivas e agradáveis que nos ajudaram a entender porquê o mundo é da forma como está hoje. Chegamos a conclusão que ele é o reflexo das duas grandes guerras mundiais.
Antes da Primeira Guerra Mundial, a ordem mundial era caracterizada pelo domínio de impérios. Aqui foi a época de supremacia do Reino Unido, da França, da Áustria, dentre outros grandes impérios.
Com o fim desta primeira grande guerra, os impérios foram dissolvidos e surgiram grandes potências, como os EUA e a URSS.
Depois da Segunda Guerra, a ordem mundial ficou definida pelo jogo de poder da Guerra Fria, quando o mundo ficou dividido entre o capitalismo e o socialismo.
A queda da URSS, em 1991, foi o divisor de águas que marcou o surgimento de uma nova ordem mundial, uma ordem que impera até o presente momento.
Podemos dizer que a ordem mundial atual é marcada pelos seguintes aspectos:
- hegemonia de poder dos Estados Unidos;
- globalização;
- controle de organizações globais e regionais;
- democracia;
- conflitos terroristas.
Vamos entender cada ponto do que forma a nossa ordem mundial.
A hegemonia dos Estados Unidos

Após o fim da Guerra Fria e com o colapso da URSS, os EUA se tornaram a única superpotência em um cenário onde nenhuma outra nação tinha capacidade equivalente de projetar poder militar, econômico e político global. Esta é uma das principais característica da atual ordem mundial.
Os Estados Unidos até hoje é o ator central em várias esferas globais. Uma de destaque é a militar.
Nenhum país do mundo investe de maneira tão consistente em sua força militar para garantir sua segurança e intervir globalmente em crises e conflitos quanto os Estados Unidos. Esse esforço posiciona esta nação como a “polícia do mundo”.
Os Estados Unidos têm o maior orçamento militar do planeta. Em 2023, o orçamento de defesa dos EUA ficou em cerca de $877 bilhões de dólares, o que representa 39% dos gastos militares globais.
A título de comparação, a China e a Rússia, que são a segunda e terceira maior potência militar do mundo, gastaram respectivamente $292 bilhões e $86 bilhões. Só o orçamento militar dos EUA é maior do que os gastos combinados dos próximos 10 países com maiores orçamentos.
Este alto investimento permitiu a construção de uma força militar incrivelmente moderna, com tecnologias de última geração em áreas como inteligência artificial, cibersegurança, armamento nuclear, aviação e inteligência.
Dados de 2023 registram um exército americano ativo de cerca de 1,39 milhão de militares e aproximadamente 811 mil reservistas prontos para a ação.
Os EUA possuem aproximadamente 750 bases militares em mais de 80 países, incluindo Japão, Alemanha, Coreia do Sul e territórios estratégicos como Guam. Esta é a maior rede de bases militares estrangeiras do mundo, garantindo uma projeção de poder global.
A Marinha americana é a maior e mais poderosa do planeta, com 11 porta-aviões nucleares ativos. Nenhum outro país tem mais do que 2 dessa categoria.
Quanto às armas nucleares, os Estados Unidos são uma das nove nações com bombas atômicas. O país possui um arsenal estimado de 5.244 ogivas nucleares (2024), com 1.644 prontas para uso imediato.
Este maciço investimento americano em força militar posiciona os Estados Unidos como a superpotência militar dominante desta ordem mundial. Mesmo com o crescimento de outras potências, como a China, o nível de investimento e desenvolvimento militar americano ainda os destaca largamente no cenário mundial.
Por que os Estados Unidos quiseram assumir o papel de polícia do mundo?

Bem, tudo começou novamente com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945.
A Europa e grande parte do mundo ficaram em ruínas. De “centro do mundo” ocidental a Europa se transformou num território devastado econômica e militarmente. Grandes potências como o Reino Unido e a França perderam capacidade de comandar a ordem global.
Ao mesmo tempo, os EUA emergiram como o maior vencedor do conflito. Separados por um vasto oceano, a potência americana estava com sua economia intacta, forte capacidade militar e tecnológica, e o dólar se consolidando como a moeda principal do comércio global.
O mundo pós-guerra estava com um vácuo no poder. Quem era a única potência apta para preencher este espaço? Sim, os Estados Unidos.
Diante deste cenário, o poder americano assumiu a responsabilidade de reconstruir países destruídos e garantir a paz e a ordem global. Os EUA consideraram que, caso não atuassem para estabilizar o mundo, crises poderiam continuar a surgir e eventualmente prejudicá-los.
Se os EUA deixassem essas questões nas mãos de outros países, como a União Soviética (que era comunista e sua principal rival), isso significaria perder influência em regiões do mundo.
Junto com o combo do poder, os Estados Unidos assumiram o papel de “polícia global” para garantir que o sistema econômico internacional funcionasse de forma a favorecer seus interesses.
Como assim?
O poder econômico dos EUA está atrelado ao livre comércio, à estabilidade das rotas comerciais e ao dólar como moeda principal. Para que o mundo siga dançando ao som da música que eles escolheram, os Estados Unidos precisam evitar que barreiras, guerras ou ideologias limitem o comércio internacional.
Regiões instáveis ou dominadas por rivais poderiam bloquear rotas comerciais ou diminuir o fluxo de mercadorias essenciais para o crescimento econômico global.
Assim, os Estados Unidos mantiveram presença em locais como o Oriente Médio para garantir o fluxo de petróleo, crucial para a economia não só deles, mas do mundo todo.
Se os EUA não assumissem essa posição, as forças econômicas globais poderiam ser controladas por outros atores. E, de fato, potências como a China estão tentando contestar essa liderança atualmente.
Também é preciso levar em conta a forma como os EUA enxergam a si mesmos: uma nação especial e excepcional, responsável por levar liberdade, democracia e progresso ao mundo.
Esse ideal, muitas vezes chamado de “excepcionalismo americano”, vem de crenças históricas enraizadas. No século XIX, por exemplo, os americanos acreditavam ter uma missão divina de expandir seus valores e sistemas para outros territórios.
Sem esquecer do fato que depois de liderar a criação de instituições globais que marcam a presente ordem mundial, como a ONU (Organização das Nações Unidas), o FMI (Fundo Monetário Internacional) e a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), os EUA assumiram um papel de liderança quase “natural”. Como fundadores ou principais financiadores, eles entram frequentemente como a força central quando essas instituições precisam agir.
E citando um último motivo, como resultado de décadas de investimento, os EUA desenvolveram o maior e mais poderoso aparato militar do mundo, como recém vimos. Isso, por si só, os encoraja a utilizá-lo em situações internacionais.
Ter porta-aviões, aviões de combate avançados e armas nucleares permite aos EUA fazer o que outros países não podem: agir em qualquer parte do mundo quase instantaneamente.
Globalização: um mundo totalmente interligado

A atual ordem mundial é fortemente marcada pela globalização e a interdependência entre os países.
Isso começou novamente com o colapso da União Soviética e o fim do bloco socialista. A vitória do capitalismo abriu portas para a adoção de políticas de mercado aberto e de integração econômica.
O que seriam essas políticas de mercado aberto e de integração econômica?
São estratégias adotadas entre países, como redução de tarifas e burocracias, com o intuito de promover um comércio internacional mais livre e menos regulamentado, o que é benéfico para incentivar a competição, a inovação e o crescimento econômico.
Um bom exemplo da globalização que marcou nossa ordem mundial está na produção de iPhone.
O smartphone tem tecnologia e origem americana; mas o processador é fabricado em Taiwan; a tela, na Coreia do Sul; a bateria de íon-lítio, na China; e o sensor de câmera, no Japão.
Após todos esses componentes serem fabricados, eles são enviados para a China, onde o iPhone é montado por empresas como a Foxconn. No fim da cadeia produtiva, o iPhone é vendido em mais de 175 países.
Alguns efeitos positivos da globalização podem ser percebidos na expansão do comércio global, que passou de 5 trilhões em 1990 para quase 25 trilhões em 2023, impulsionando avanços tecnológicos. Países antes não tão produtivos — como China e os Tigres Asiáticos — passaram a crescer industrialmente.
A China, inclusive, tirou mais de 800 milhões de pessoas da pobreza extrema entre 1990 e 2020 com o processo de globalização que marca a atual ordem mundial.
Na outra ponta, a dos consumidores, as vantagens da globalização podem ser percebidas no acesso a uma diversidade bem maior de bens (tecnologias, alimentos, roupas), muitas vezes a preços reduzidos.
Algumas críticas que geralmente são creditadas à globalização é que esta política não beneficiou igualmente todas as partes do mundo ou todas as pessoas dentro de um mesmo país. Corporações e elites globais se beneficiaram mais, enquanto trabalhadores em setores vulneráveis perderam empregos com a transferência de fábricas para países de menor custo.
Ademais, a globalização interligou economias a ponto de crises locais virarem crises globais. E de fato, uma crise financeira nos Estados Unidos, por exemplo, é sentida pelos habitantes de todas as outras partes do planeta.
Organizações globais e regionais: ordem e paz
Um dos marcos mais importantes da ordem mundial contemporânea é a vigência de organizações globais e regionais que tem por objetivo o equilíbrio de poder global e a cooperação internacional.
Alguns exemplos destas organizações são a ONU, a OMC, a OMS, o G7, a União Europeia, a OTAN, o G20, o FMI, o Banco Mundial, dentre outras.
Antes do século XX, as grandes potências costumavam agir unilateralmente, competindo entre si por poder, territórios e influência global. O resultado disso foram as duas Guerras Mundiais.
Após a Segunda Guerra Mundial, ficou claro que grandes desafios exigiam ações coletivas, algo que não tratado na anterior ordem mundial.
Quais seriam tais grandes desafios?
Problemas como comércio internacional, mudanças climáticas, terrorismo, saúde pública (pandemias) e crises financeiras.
Organizações globais e regionais trouxeram espaços institucionais para o diálogo, para a imposição de regras que coordenam as tratativas entre países e para a resolução de conflitos, evitando confrontos militares entre potências.
Há também a proposta de ajuda à economias fragilizadas, e aqui entram o FMI e o Banco Mundial, que previnem crises econômicas que poderiam gerar conflitos.
Logicamente, há críticas e contrapontos à essas organizações mundiais e regionais.
Tomemos como exemplo o talvez mais relevante órgão da atual ordem global – a ONU, ou Organização das Nações Unidos, responsável por garantir a paz e a segurança internacionais.
A composição do Conselho de Segurança (CS) da ONU têm assento permanente de apenas cinco países: Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido.
Esses cinco membros (os “P5”) possuem o poder de veto, ou seja, podem bloquear qualquer resolução, mesmo que tenha o apoio da maioria. Países menos poderosos afirmam que suas vozes não são adequadamente representadas, enquanto os P5 frequentemente agem em defesa de seus próprios interesses, bloqueando ações importantes.
A Rússia frequentemente utiliza seu veto para bloquear resoluções contra si, por exemplo, em relação à guerra na Ucrânia.
A ONU depende fortemente do financiamento de alguns poucos países, que são os EUA, a China, o Japão, a Alemanha e o Reino Unido. Isso dá aos principais financiadores certos privilégios na formulação de políticas, enquanto nações menos influentes ficam excluídas ou marginalizadas.
Críticas crescentes por corrupção, desperdício administrativo e má gestão também são apresentadas contra a ONU.
Um caso que podemos mencionar é o de as forças de paz da ONU (os “capacetes azuis”) serem acusadas de abusos sexuais e má-conduta em diversos países, incluindo Haiti, República Centro-Africana e Congo.
Sim, a ONU e outras organizações mundiais e regionais têm um papel vital como fórum para diálogo e resolução de conflitos. Contudo, desafios internos e externos enfraquecem a credibilidade e a eficácia destas instituições características da atual ordem mundial.
Valores liberais: uma sociedade democrática
O pano de fundo da ordem mundial do final do século XX foi a luta entre o capitalismo e o comunismo.
Nesta batalha, o comunismo soviético começou a colapsar devido a crise econômica na URSS, a falta de inovação e as demandas populares por maior liberdade.
Resultado: O palco foi montado para uma “onda democrática” nos anos 1990.
A partir da década de 90, valores democráticos e liberais se tornaram ideias dominantes na nova ordem mundial.
O que são valores liberais?
São os pilares ideológicos vinculados à democracia e aos direitos humanos de liberdade individual, igualdade perante a lei, governo representativo e livre mercado.
Muitos países que outrora seguiam um viés ditatorial passaram a realizar eleições livres, a abolir regimes autoritários e a adotar modelos econômicos liberais, baseados no livre mercado.
Cabe neste momento mencionar a democratização no Leste Europeu, o fim do Apartheid na África do Sul e transição de ditaduras militares para regimes democráticos na América Latina. Aqui no Brasil podemos destacar 1988 como o ano da nova Constituição.
Como a ordem mundial conecta suas partes como uma colcha de retalhos, vemos neste contexto instituições como a ONU, o Banco Mundial e o FMI condicionando ajuda financeira e apoio internacional à adoção desses princípios.
O avanço dos valores democráticos e liberais nos anos 1990 foi um marco da presente ordem mundial porque simbolizou a transição para uma nova era política, social e econômica no mundo.
Apesar desse otimismo, é importante mencionar que nem todos os países adotaram esses valores de forma estável. A Rússia e a Venezuela dos anos 2000 seguem no cenário de retrocesso democrático.
Conflitos regionais e novas ameaças: a realidade nossa de cada dia
A substituição de uma ordem mundial sempre ocorre a partir de um evento bem impactante, como uma guerra ou o fim dela.
O evento que deu o início à ordem mundial sob a qual estamos regidos foi o fim da Guerra Fria, ou seja, o fim da disputa entre as superpotências EUA e União Soviética. Sem a União Soviética, os EUA emergiram como a única superpotência global.
Paralelamente, no entanto, surgiram novas dinâmicas de violência e instabilidade que não estavam necessariamente alinhadas a ideias de capitalismo versus comunismo.
Como assim?
A dissolução da União Soviética deixou um vácuo de poder em várias regiões. Este é um terreno fértil para conflitos regionais, que foi o que aconteceu, por exemplo, no Conflito na Bósnia (1992-1995), onde mais de 8 mil muçulmanos mortos; e na Guerra do Kosovo (1998-1999), que resultou em uma intervenção militar pela OTAN.
O mundo sob a ordem mundial tangente à Guerra Fria girava em torno dos conflitos concernentes à rivalidade das duas grandes superpotências. Apesar da constante ameaça de guerra nuclear, a certeza de destruição recíproca em caso de guerra nuclear evitou confrontos diretos. Isso deu um certo “controle” global aos conflitos.
Sem a guerra entre as duas superpotências, no entanto, emergiram várias tensões baseadas em etnias, religião ou independência nacional.
Para citar apenas alguns, na África alguns conflitos foram exacerbados após a retirada de apoio militar ou econômico dos EUA ou da URSS; e, no Oriente Médio, a ausência da URSS como mediadora acabou aumentando a complexidade dos conflitos.

Uma das maiores mudanças no cenário de segurança global pós-Guerra Fria e marco da nossa ordem mundial foi o terrorismo deixar de ser um problema interno para se tornar global e transnacional. Este ponto foi especialmente evidente após os ataques de 11 de setembro de 2001.
Esta fatídica e trágica data foi um divisor de águas para a segurança internacional. O evento levou os Estados Unidos a proclamarem a “Guerra ao Terror”, uma campanha global para combater o terrorismo, que incluiu ações como a Invasão do Afeganistão (2001) e a Guerra no Iraque (2003).
E novamente as peças do quebra-cabeça da ordem mundial se juntam: o mesmo processo de globalização que conectou economias e sociedades ajudou terroristas a se financiarem, recrutarem e atacarem em escala global.
Sim. O terrorismo e os cibercriminosos mudaram o paradigma de conflitos. O terrorismo não enfrenta fronterias e descentraliza a guerra — não há um único inimigo ou campo de batalha claro, o que é assustador.
Um ordem mundial em constante transformação
A hegemonia dos Estados Unidos, a globalização, a ascensão de valores democráticos e liberais, o papel de instituições globais e regionais e a presença marcante de conflitos regionais e novas ameaças são os pilares que sustentam a estrutura da ordem mundial sob a qual vivemos.
No entanto, até quando as coisas se manterão assim, nesta ordem mundial?
Apesar de os Estados Unidos ainda serem a superpotência dominante, novos atores, como a China, a União Europeia e organizações internacionais, emergem cada vez mais como forças que desafiam ou reconstroem regras em torno de seus próprios interesses.
Imposições de tarifas e restrições ao comércio internacional como as estabelecidas no atual governo Trump levantam questionamentos sobre a coletividade entre as negociações entre países.
Além disso, a emergência de ameaças terroristas ilustra como os desafios à paz e à segurança não estão mais vinculados exclusivamente à rivalidade entre Estados, mas a atores descentralizados.
Se há algo que aprendemos, é que não existem verdades absolutas nesse sistema e assim, o jogo global continua com novas regras e novas peças entrando no tabuleiro.