Ignaz Semmelweis: o médico mártir da resistência às mudanças

Ignaz Semmelweis
Conheça a história trágica do injustiçado e incompreendido genial médico Ignaz Semmelweis.

Eu vou te contar uma história sobre a qual você talvez nunca tenha ouvido falar. É sobre um genial médico e cientista que foi incompreendido, injustiçado e teve sua vida precocemente interrompida por conta disso.

Hoje a gente vai conversar sobre Ignaz Semmelweis, um obstetra húngaro que trabalhava em um hospital em Viena no século XIX.

Você provavelmente conhece aquela história que muitas mortes passaram a ser evitadas quando os médicos descobriram que precisavam lavar as mãos depois que tocavam em cadáveres e antes de atender os pacientes, certo?

Pois então: o médico que fez essa descoberta foi Ignaz Semmelweis. Nós recebemos essa descoberta com total convicção e apoio, não é? Mas Semmelweis não encontrou tal aceitação em sua época. Vou te contar o que aconteceu.

As raízes de Ignaz Semmelweis

Ignaz Philipp Semmelweis nasceu em 1º de julho de 1818, em Pest, que hoje faz parte de Budapeste, na Hungria. 

A família de Ignaz Semmelweis era enorme. Ele era o quinto de dez filhos de uma próspera família de ascendência alemã. Seu pai era um comerciante respeitado, dono de uma mercearia. No século XIX, mercearias eram o coração do comércio local e a figura do merceeiro era muito importante na comunidade. Ele conhecia todo mundo pelo nome e sabia as preferências de cada família.

A mercearia da família de Semmelweis era um negócio de muito sucesso, provavelmente um dos principais pontos de comércio da região. Graças à boa condição financeira da família, Ignaz Semmelweis recebeu uma educação de qualidade desde cedo.

O início da vida acadêmica

Seguindo o desejo de seu pai, Semmelweis mudou-se para Viena em 1837 para estudar Direito na Universidade de Viena. 

No entanto, sua trajetória estava prestes a mudar drasticamente.

No ano seguinte, por acaso ou curiosidade, ele assistiu a uma aula de anatomia na faculdade de medicina. Ignaz Semmelweis ficou profundamente fascinado pelo corpo humano e pela ciência médica e, contra a vontade inicial de seu pai, decidiu abandonar o Direito e se matricular em Medicina.

Essa decisão impulsiva baseada em uma paixão recém-descoberta foi o ponto de virada para uma das maiores revoluções da saúde pública.

Em 1844, Ignaz Philipp Semmelweis se formou médico. Curiosamente, sua tese de doutorado não foi sobre um tema clínico, mas sim botânico, intitulada “A Vida das Plantas”, o que já demonstrava sua inclinação para a observação científica da natureza.

Os primeiros passos de Ignaz Semmelweis como médico

Após a formatura, o jovem Dr. Semmelweis buscou especialização. Ele queria uma vaga como assistente no instituto de patologia com o famoso patologista Karl von Rokitansky, mas a vaga já estava preenchida.

Ele então decidiu se especializar em obstetrícia, a área médica dedicada à gravidez, ao parto e ao pós-parto. 

Ignaz Semmelweis treinou com figuras proeminentes da chamada “Segunda Escola Médica de Viena”, como o dermatologista Ferdinand von Hebra e o internista Josef Škoda. Essa escola era conhecida por sua abordagem cética, baseada em observação, estatística e raciocínio lógico ao invés de seguir teorias médicas antigas e não comprovadas.

Essa formação foi crucial! Ela moldou a mente de Ignaz Semmelweis para ser um investigador metódico, que não aceitava o “sempre foi assim” e buscava evidências concretas — exatamente a mentalidade necessária para resolver o mistério que o aguardava.

A personalidade de Ignaz

Com o desenrolar desta história você verá em Ignaz Semmelweis traços de raiva e amargura. Mas provavelmente foram as injustiças que ele sofreu que o tornaram esse tipo de pessoa.

O seu histórico familiar nos leva a crer que Ignaz Semmelweis era um jovem obediente, disciplinado e focado.

O momento em que ele abandona o Direito após assistir a uma aula de anatomia nos faz perceber que ele era profundamente curioso e movido pela paixão, com coragem para seguir o que de início desapontou a sua família, mas veio a ser seu grande ímpeto: a medicina.

Sua tese de doutorado sobre botânica dá margem para pensarmos que sua mente era naturalmente inclinada a observar, categorizar e entender os sistemas da natureza, o que sugere um perfil mais introvertido e contemplativo. Ele era um cientista em sua essência, mesmo antes de se tornar um médico praticante.

Provavelmente, antes da medicina, Ignaz Semmelweis era visto como um jovem sério, inteligente e estudioso, talvez um pouco quieto, um moço de uma boa família.

A personalidade combativa e agressiva que o marcou mais tarde não parece ser um traço de sua juventude. Logo logo você entenderá do que estou falando e verá que o mundo transformou um cientista curioso e apaixonado em um guerreiro amargurado.

Ignaz Semmelweis chega ao Hospital Geral de Viena

Em 1846, Semmelweis finalmente conseguiu o cargo que mudaria não apenas a sua vida, mas também a história da medicina: Ignaz Semmelweis foi nomeado assistente do Professor Johann Klein, chefe da Primeira Clínica Obstétrica do Hospital Geral de Viena.

Foi nesse exato posto que ele se deparou com uma aterrorizante e curiosa realidade.

Acontece que o Hospital Geral de Viena tinha duas maternidades: a Primeira e a Segunda Clínica.

A Primeira Clínica era atendida por médicos e estudantes de medicina que também realizavam autópsias em cadáveres. A Segunda, por parteiras.

Um número alarmante mexeu muito com Ignaz: enquanto na Segunda Clínica a taxa de mortalidade por febre puerperal era em torno de 2%; na Primeira esse número chegava a preocupantes 20%! As mulheres imploravam para não serem internadas na Primeira Clínica, temendo por suas vidas.

O que era essa febre puerperal?

Conhecida também como febre do parto, a febre puerperal é uma infecção, geralmente causada por bactérias (como a Streptococcus pyogenes) que entram no útero durante ou após o parto.

Após o parto, a área onde a placenta estava ligada ao útero fica como uma ferida aberta. Se bactérias nocivas entrarem em contato com essa ferida, elas podem se multiplicar rapidamente e causar uma infecção localizada.

O grande perigo da febre puerperal é que a infecção não fica apenas no útero. As bactérias podem facilmente entrar na corrente sanguínea da mãe. Uma vez no sangue, elas se espalham pelo corpo todo, causando uma condição que hoje conhecemos como sepse ou septicemia, que trata-se de uma infecção generalizada cujo resultado final é a falência de múltiplos órgãos (rins, pulmões, coração). Naquela era pré-antibióticos, uma vez que a infecção se generalizava, o corpo não tinha como lutar contra ela. Era quase uma sentença de morte.

A personalidade metódica e observadora de Ignaz Semmelweis não lhe permitiu apenas assistir esses números sem interferir de alguma forma. Semmelweis foi atrás de respostas e explicações.

Foi exatamente nesse ponto que a genialidade metódica de Ignaz Semmelweis se revelou.

O método de Semmelweis para encontrar as respostas

Ignaz Semmelweis agiu como um verdadeiro detetive aplicando a metodologia que ele aprendeu com seus grandes mestres durante a especialização em medicina: o método científico de eliminação.

Ele fez o seguinte.

A Fase de Eliminação: Testando as Hipóteses Erradas

O médico começou a listar todas as diferenças, por menores que fossem, entre a Primeira Clínica (dos médicos) e a Segunda Clínica (das parteiras), e testou uma por uma.

Seria o excesso de pacientes?

Ele verificou os registros e descobriu que, na verdade, a Segunda Clínica era frequentemente mais lotada, pois as pacientes imploravam para não serem internadas na primeira, a “clínica da morte”. 

❌ Hipótese descartada.

Seria a posição do parto?

Na Primeira Clínica, as mulheres davam à luz deitadas de costas; na segunda, de lado. Semmelweis ordenou que todas as mulheres na sua clínica dessem à luz de lado. A taxa de mortalidade não mudou.

❌ Hipótese descartada.

Seria um fator psicológico?

Esta é uma das hipóteses mais curiosas que ele investigou. Um padre, ao ser chamado para dar a extrema-unção a uma paciente moribunda, tinha que passar por toda a enfermaria da Primeira Clínica, tocando uma sineta. Semmelweis teorizou que a visão e o som do padre aterrorizavam as outras pacientes, deixando-as mais suscetíveis à doença. Ele convenceu o padre a mudar de rota e a não tocar a sineta. A taxa de mortalidade não mudou.

❌ Hipótese descartada.

Seria o tratamento mais “rude” dos estudantes?

Ignaz Semmelweis considerou que os estudantes de medicina (todos homens) poderiam ser menos cuidadosos nos exames do que as parteiras (mulheres). Embora não pudesse provar ou mudar isso facilmente, ele manteve a ideia em mente.

Depois de meses investigando e descartando todas as diferenças conhecidas, ele estava frustrado e sem respostas.

O ponto de virada: a morte de um amigo

O grande avanço veio de uma tragédia em 1847. Um colega e amigo de Semmelweis, o professor de patologia Jakob Kolletschka, morreu após ser acidentalmente perfurado no dedo por um bisturi de um estudante durante uma autópsia.

Ignaz Semmelweis ficou muito abalado e leu o relatório da autópsia de seu amigo. 

💡Foi nesse momento que ele teve sua epifania. 

O genial médico notou que os achados patológicos no corpo de Kolletschka (inflamação, pus, abcessos) eram idênticos aos das centenas de mulheres que ele viu morrer de febre puerperal.

A genial mente de Semmelweis conectou os pontos instantaneamente:

Se Kolletschka morreu de uma “doença” causada por uma partícula vinda de um cadáver que entrou em sua ferida, então as mães na Primeira Clínica devem estar morrendo porque os médicos e estudantes, que também vêm da sala de autópsia, estão introduzindo essas mesmas “partículas cadavéricas” em suas feridas de parto através das mãos contaminadas.

Essa era a peça que faltava no quebra-cabeça! 

✅ A única grande diferença que ele não havia considerado era que os médicos e estudantes realizavam autópsias, e as parteiras não.

A ação e o experimento decisivo

Ignal Semmelweis método lavar as mãos antes de mexer nos pacientes

Com essa nova teoria, a solução era lógica: era preciso destruir essas partículas letais antes de tocar nas pacientes.

Ele instituiu uma nova regra inflexível em maio de 1847: qualquer pessoa que saísse da sala de autópsia deveria, obrigatoriamente, lavar as mãos em uma bacia com uma solução de cal clorada, um forte desinfetante, até que o cheiro de cadáver desaparecesse completamente das mãos.

Os resultados foram imediatos e espetaculares. A taxa de mortalidade na Primeira Clínica, que frequentemente ultrapassava 10%, despencou. Em poucos meses, ela caiu para cerca de 1-2%, igualando-se ou até mesmo ficando menor que a da clínica das parteiras.

Ele havia provado sua teoria de forma irrefutável, usando observação, eliminação e experimentação. Ele havia resolvido o mistério. 

O problema foi convencer os outros da sua incrível descoberta.

Estava tudo indo tão bem . . .

A reação dos outros médicos é a parte mais frustrante e trágica da história de Ignaz Semmelweis. Apesar de os resultados serem claros e estatisticamente irrefutáveis, a resposta da comunidade médica foi, em sua maioria, de rejeição, ceticismo e hostilidade aberta.

Tudo por conta do orgulho ferido, da ignorância científica e da política institucional.

Aconteceu o seguinte:

A teoria de Semmelweis, em sua essência, dizia: “Vocês, médicos, são os responsáveis pela morte de suas pacientes.”

Naquela época, os médicos se viam como cavalheiros de alta classe social. A sugestão de que suas próprias mãos — as mãos que deveriam curar — estavam sujas e transmitindo doenças fatais era um insulto profundo e inaceitável. Era mais fácil rejeitar a teoria do que aceitar a culpa.

A “Teoria dos Germes”, de Louis Pasteur, que provaria a existência de micro-organismos causadores de doenças, só seria amplamente aceita décadas depois. Semmelweis sabia que lavar as mãos com desinfetante funcionava, mas não conseguia explicar cientificamente o porquê.

Ele falava de “partículas cadavéricas”, um conceito vago que soava pouco científico para seus colegas. Sem um microscópio e a bacteriologia, ele não tinha respostas concretas, apenas os dados de mortalidade. Para muitos, sua teoria parecia mais uma superstição do que ciência.

Apesar de alguns médicos importantes (como Ferdinand von Hebra) terem reconhecido e apoiado seu trabalho, eles eram a minoria. A maioria da elite médica europeia simplesmente fechou os ouvidos.

Ademais, quando ele fez sua descoberta em 1847, Ignaz Semmelweis tinha apenas 29 anos.

O mundo acadêmico e médico daquela época (e talvez atualmente também) era baseado em uma hierarquia clara: os mais velhos e mais experientes ensinam os mais novos. Semmelweis, um jovem médico em um cargo de assistente, estava virando essa lógica de cabeça para baixo. Era como se um jovem tenente estivesse dizendo a generais experientes que toda a estratégia de guerra deles estava errada.

Argumentos como “O que esse rapaz pode saber que nós, com 30 anos de experiência, não sabemos?” eram uma forma fácil de evitar a discussão sobre os dados que ele apresentava.

Também não podemos desconsiderar o preconceito étnico. Ignaz Semmelweis era húngaro, um estrangeiro em Viena. Então tínhamos um jovem sem autoridade, imigrante declarando que, de certa forma, aqueles experientes médicos austríacos eram assassinos.

E para piorar, o jeito como Ignaz Semmelweis impunha sua tese não ajudava muito.

A personalidade difícil de Ignaz Semmelweis

Esta dura objeção inesperada que Semmelweis encontrou à sua teoria tão explícita deixou o médico muito revoltado.

Em vez de ser diplomático, ele era impaciente, arrogante e agressivo com quem discordava dele. Ele não tentou construir um consenso; ele declarou guerra.

Em suas publicações e cartas, ele chamava médicos renomados de “assassinos” e “cúmplices de um massacre”.

Apesar de excelente médico e pesquisador, Ignaz Semmelweis não era um bom comunicador, especialmente quando precisava de diplomacia. 

Semmelweis era um homem de números. Para ele, as estatísticas de mortalidade que caíram drasticamente eram a única prova necessária. Ele acreditava que os dados falavam por si mesmos de forma tão óbvia que não precisavam de uma grande explicação ou de um argumento bem construído.

Quando os outros médicos não se convenciam apenas com os números e começavam a fazer perguntas, a questionar ou a propor outras explicações, a frustração de Semmelweis se tornava palpável. Ele não via isso como um debate científico saudável, mas como uma teimosia ignorante ou má-fé. Seu tom rapidamente se tornava impaciente e acusatório.

Essa atitude beligerante fez com que muitos o vissem como um radical desequilibrado, tornando mais fácil ignorar seus dados e atacar o mensageiro em vez da mensagem.

Seu próprio chefe, o Professor Johann Klein, se sentiu humilhado pela descoberta. Era embaraço que um assistente júnior resolvesse um problema que o chefe da clínica não conseguiu. Em vez de apoiar Semmelweis, Klein tornou-se um de seus maiores oponentes e usou sua influência para minar a credibilidade de Ignaz.

O cargo de Semmelweis como assistente na Primeira Clínica era temporário e tinha prazo para acabar. Klein e outros médicos influentes viam Semmelweis como um problema, um constrangimento e um radical e ofereceram uma “promoção” humilhante para Ignaz, que foi o cargo de Privatdozent, uma espécie de professor não assalariado que poderia dar aulas. A condição crucial era: ele estava proibido de ensinar usando cadáveres e teria acesso muito restrito à clínica obstétrica.

Essa condição era um golpe fatal. Ela impedia que Ignaz Semmelweis demonstrasse sua teoria na prática, prosseguisse com sua pesquisa e ensinasse sua doutrina da forma mais eficaz. Aceitar essa oferta significaria se render, admitir a derrota e se tornar um professor sem poder prático. O que eles queriam, na realidade, era silenciar completamente o bem intencionado médico.

Sentindo-se traído, humilhado e sem nenhuma perspectiva de futuro profissional em Viena, poucos dias depois de receber a tal oferta, Semmelweis tomou a decisão drástica de partir de Viena abruptamente, sem mesmo se despedir de seus amigos e de apoiadores mais próximos. Simplesmente fez as malas, pegou um trem e voltou para sua cidade natal, na Hungria.

Logo mais discutiremos o que aconteceu com Ignaz, mas antes, surge a pergunta:

E os médicos do hospital de Viena, passaram a lavar as mãos?

Vimos que o experimento de Semmelweis teve um resultado imediato e inquestionável: a taxa de mortalidade despencou de mais de 10% para cerca de 1-2%. A prova estava lá, nos registros diários do hospital.

Mas aqui vem a parte revoltante: a prática da lavagem das mãos não foi adotada em outros hospitais e o pior, quando o contrato de Semmelweis não foi renovado e ele foi forçado a deixar Viena em 1850, a política de lavagem das mãos que ele instituiu na Primeira Clínica foi relaxada e depois abandonada.

A simples ideia de ter que parar para lavar as mãos meticulosamente antes de examinar cada paciente era vista como uma perda de tempo e um incômodo. A solução de cal clorada era áspera para a pele e tinha um cheiro forte. Era mais fácil continuar com as práticas estabelecidas do que adotar uma rotina nova e inconveniente proposta por um jovem médico húngaro.

O resultado? Logicamente, as taxas de mortalidade por febre puerperal na Primeira Clínica voltaram a subir drasticamente, retornando aos níveis aterrorizantes de antes.

Então, sim. Eles tinham a prova viva e estatística de que a prática funcionava. Mas, por uma combinação de ego, ignorância e política, a elite médica preferiu rejeitar a evidência, deixar o “gênio difícil” ir embora e, com isso, condenaram milhares de outras mulheres à morte nas décadas seguintes.

Ignaz Semmelweis volta à Hungria

A vida de Semmelweis após sua saída de Viena é uma história de três atos: um de sucesso e validação local, seguido por um declínio rápido e uma conclusão terrivelmente trágica.

Ato 1: O sucesso e a validação na Hungria (1850 – c. 1860)

Detalhes do anexo

Foto-de-casamento-de-Ignaz-Semmelveis-em-1857-Fonte-Wikipedia
Foto de casamento de Ignaz Semmelveis em 1857
Fonte: Wikipedia

Ao retornar para sua cidade natal, Pest (que hoje faz parte de Budapeste), Ignaz Semmelweis encontrou um ambiente um pouco mais receptivo do que o de Viena.

Ele conseguiu um cargo de chefia honorário e não remunerado na maternidade do Hospital St. Rochus e a primeira coisa que ele fez foi instituir sua política de lavagem de mãos.

Assim como em Viena, os resultados foram espetaculares. Ele praticamente eliminou a febre puerperal do hospital onde trabalhava enquanto outras clínicas em Budapeste continuavam a sofrer com altas taxas de mortalidade. Ele provou que seu método não era um acaso.

Com base nesse sucesso, ele foi nomeado Professor de Obstetrícia na Universidade de Pest em 1855. 

Na Hungria, Ignaz Semmelweis era uma autoridade respeitada. Ele também se casou e teve cinco filhos, vivendo um período de relativa estabilidade pessoal e profissional.

Durante esse tempo, parecia que ele poderia ter uma carreira de sucesso, ainda que limitada ao seu país de origem.

Só que . . . 

Ato 2: A obsessão e o declínio (c. 1861 – 1865)

Em 1861, Ignaz Semmelweis finalmente publicou sua obra principal, “A Etiologia, o Conceito e a Profilaxia da Febre Puerperal”. No entanto, o livro foi um fracasso: era mal escrito, repetitivo e cheio de raiva, o que só serviu para afastar ainda mais os médicos que ele precisava convencer.

A recepção negativa de seu livro acabou com Ignaz. Ele começou a enviar uma série de “Cartas Abertas” a obstetras famosos da Europa, nas quais ele os chamava abertamente de “assassinos irresponsáveis” e os culpava por cada morte.

A partir de 1861, o comportamento de Ignaz Semmelweis se tornou cada vez mais errático e público. O que as pessoas ao seu redor testemunharam foi a transformação de um homem difícil e obsessivo em alguém publicamente instável.

Sua luta contra a febre puerperal deixou de ser uma causa profissional e se tornou o único foco de sua existência. Ele não conseguia mais manter uma conversa sobre qualquer outro assunto. Toda e qualquer interação social era uma oportunidade para ele discursar sobre a importância de lavar as mãos. Relatos da época contam que ele interrompia jantares, reuniões sociais e até mesmo parava casais desconhecidos na rua para falar sobre os perigos da infecção pós-parto, gesticulando de forma agitada.

Ele começou a negligenciar sua aparência pessoal, suas responsabilidades como professor na universidade e sua memória começou a falhar. Em um episódio famoso, ele teria interrompido uma palestra de um colega, gritando que o que estava sendo dito era irrelevante, enquanto as mães morriam por negligência.

Se por vezes ele demonstrava estes surtos de raiva; em outros momentos, ele caía em períodos de depressão profunda, melancolia e apatia, sentindo o peso esmagador de seu fracasso em convencer o mundo.

Ignaz Semmelweis demonstrou também indícios de paranoia. Ele começou a ver inimigos e conspiradores por toda parte, acreditando que havia um esforço deliberado para silenciá-lo e desacreditá-lo. Mas, na realidade, sua percepção se tornara distorcida e exagerada.

Até hoje, não há um consenso sobre a causa exata de seu colapso, mas as teorias mais aceitas são duas:

  1. Esgotamento Psicológico ou Burnout: O estresse crônico em lutar uma batalha perdida por quase duas décadas, a humilhação constante e a frustração de ver pessoas morrendo por uma causa que ele sabia como prevenir simplesmente destruíram sua saúde mental.
  2. Doença neurológica subjacente: Alguns historiadores levantam a hipótese de que ele poderia ter uma doença física que causou a deterioração mental, como neurosyphilis (uma infecção que ataca o cérebro, comum na época) ou uma forma de demência de início precoce, como a doença de Alzheimer. O fato de seu pai também ter morrido em um asilo levanta a possibilidade de uma predisposição genética.

Sim, a mente que foi brilhante o suficiente para resolver um dos maiores mistérios médicos de sua era não foi capaz de suportar o fardo de ter essa mesma verdade rejeitada pelo mundo.

Ato 3: Um fim trágico (1865)

Em 1865, a condição mental do médico se deteriorou tanto que sua família e seus colegas tomaram uma triste decisão.

Eles enganaram Ignaz Semmelweis convencendo-o a fazer uma viagem a Viena sob o pretexto de visitar um novo instituto médico. Na verdade, o destino era um asilo para doentes mentais.

Ao chegar e perceber a armadilha, Semmelweis tentou fugir. Ele foi contido à força, severamente espancado pelos guardas, colocado em uma camisa de força e jogado em uma cela escura. 💔

Durante a luta, um ferimento em sua mão direita infeccionou.

Apenas duas semanas depois, Ignaz Semmelweis morreu aos 47 anos. 

Sabe qual a causa da morte?

Sepse, ou infecção generalizada. Exatamente isso: a mesma condição que ele havia lutado a vida inteira para erradicar nas novas mães.

Na ironia mais cruel e dolorosa da história da medicina, o homem que descobriu como prevenir a infecção morreu da própria infecção que tentou combater. 😔

A família de Ignaz Semmelweis após a morte do médico

A história da família de Semmelweis continua o ciclo de tragédia e resiliência que marcou sua própria vida.

Após a morte de Ignaz Semmelweis em 1865, sua esposa, Mária Weidenhofer, que tinha apenas 24 anos na época, ficou viúva com três filhos pequenos para criar. A família enfrentou muitas dificuldades, mas a história de seus cinco filhos é notável.

Ignáz Antal Semmelweis, o primeiro filho do casal, que recebeu o nome do pai, teve uma vida curta. Ele morreu tragicamente ainda bebê, pouco depois de seu nascimento em 1858.

Mária Gabriella Antónia Semmelweis, a segunda filha, também morreu muito jovem, com apenas quatro meses de idade, em 1860. A causa da morte foi peritonite, uma infecção abdominal grave. Em uma ironia cruel e dolorosa, a filha de Semmelweis morreu do mesmo tipo de infecção (sepse) que ele dedicou sua vida a combater.

Béla Semmelweis, nascido em 1862, sobreviveu à infância. Notavelmente, ele seguiu os passos de seu pai, se formou em medicina e tornou-se um respeitado médico obstetra e ginecologista na Hungria. Ele desempenhou um papel importante em ajudar a reabilitar postumamente a reputação de seu pai.

Antónia Semmelweis, que nasceu em 1864, também sobreviveu e chegou à idade adulta. Ela se casou e teve filhos. É através da linhagem de Antónia que os descendentes diretos de Ignaz Semmelweis vivem até hoje.

Margit Semmelweis, nasceu em 1865, pouco antes da morte do pai. Ela também sobreviveu à infância e teve uma vida completa, garantindo que o nome e a linhagem da família continuassem.

E sobre sua esposa, Mária Weidenhofer, esta é uma parte da história que muitas vezes é esquecida, mas é profundamente tocante, uma vez que trata-se de uma jornada de imensa resiliência, dedicação silenciosa e, no fim, de uma amarga vindicação.

Após a morte trágica de Ignaz Semmelweis em 1865, a vida dela mudou completamente. Ela se tornou uma jovem viúva de 24 anos com três filhos para criar sozinha.

Além da dor da perda, ela teve que lidar com a vergonha e o estigma associados à morte de seu marido. Ele não morreu como um herói, mas como um homem louco, em desgraça, confinado em um asilo. Isso, somado às prováveis dificuldades financeiras, tornou sua situação extremamente desafiadora.

A decisão mais notável que Mária tomou foi a de nunca se casar novamente. Em uma época em que era comum para jovens viúvas buscarem um novo casamento por segurança financeira e social, ela dedicou o resto de sua vida a criar seus filhos e a honrar a memória de Ignaz.

Ela foi a rocha que permitiu que a linhagem e o legado de Semmelweis sobrevivessem. Foi graças à sua força e perseverança que Béla Semmelweis pode estudar medicina e se tornar o médico que ajudaria a reabilitar o nome do pai; e que Antónia e Margit cresceram e tiveram suas próprias famílias, garantindo que os descendentes de Semmelweis continuassem.

Mária morreu em 1910, 45 anos depois de seu marido. Isso significa que ela viveu o suficiente para testemunhar tudo aquilo que Ignaz Semmelweis nunca pode ver:

  • Ela viu seu próprio filho, Béla, ser um médico obstetra respeitado, praticando os métodos que levaram seu pai à ruína.
  • Ela viu as teorias de Louis Pasteur e Robert Koch provarem a existência dos germes.
  • Ela viu o trabalho de Joseph Lister sobre a antissepsia cirúrgica (baseado nas ideias de Semmelweis e Pasteur) revolucionar a medicina e ser celebrado em todo o mundo.
  • Ela viu o nome “Semmelweis” passar de motivo de zombaria a símbolo de um gênio martirizado e visionário.

Imagine a mistura de dor e orgulho que ela deve ter sentido ao ver o mundo finalmente aceitar a verdade pela qual seu marido lutou, sofreu e morreu.

O legado de Ignaz Semmelweis

O legado de Ignaz Semmelweis em Viena é uma das maiores e mais amargas ironias da história da medicina. A cidade que o rejeitou, o humilhou e o levou à ruína, hoje o celebra como um de seus maiores heróis e um mártir da ciência.

A maré começou a virar, não por uma mudança de mentalidade em Viena, mas por pressão externa. Com os trabalhos de Louis Pasteur, Robert Koch e Joseph Lister, a medicina mundial foi forçada a mudar.

Os hospitais de Viena, para não ficarem para trás, começaram a adotar práticas antissépticas, incluindo a lavagem das mãos. No entanto, a princípio, eles fizeram isso seguindo o “método de Lister”, e não o “método de Semmelweis”. Foi uma forma de aceitar a prática sem ter que admitir que o homem que eles destruíram estava certo o tempo todo.

Com a ciência firmemente estabelecida, a história pode ser reescrita. A vergonha de Viena no tratamento a Semmelweis tornou-se tão grande que a cidade começou a “expiar” seus pecados, transformando-o de pária em ícone.

Hoje, o legado de Semmelweis em Viena é onipresente e celebrado de várias formas:

A Clínica Semmelweis (Semmelweis-Frauenklinik) é uma das mais importantes maternidades de Viena. O lugar onde as mulheres dão à luz em segurança agora carrega o nome do homem que morreu tentando tornar isso possível.

Uma estátua imponente de Semmelweis foi erguida e hoje se encontra no pátio da Universidade de Medicina de Viena, no campus do antigo Hospital Geral. O homem que foi expulso agora guarda a entrada como uma lenda.

Nas salas de aula da Universidade de Medicina de Viena, Ignaz Semmelweis é hoje ensinado como um dos maiores visionários da história médica, um exemplo de gênio incompreendido e um mártir da resistência à mudança.

Em suma, a cidade que foi o palco de sua maior humilhação é hoje um dos principais guardiões da memória de Ignaz Semmelweis, um lembrete eterno do alto custo do preconceito e da importância de ouvir a ciência, por mais desconfortável que ela seja.

“Grandes visionários sempre encontraram oposição violenta de mentes medíocres.” — Albert Einsten

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