Como era a ordem mundial antes da Primeira Guerra?

Ordem mundial antes da Primeira Guerra Mundial Século XIX
Ordem mundial antes das guerras mundiais - quem mandava, quem obedecia e quais eram as regras do mundo no século XIX e início do século XX.

O mundo que atualmente conhecemos funciona mais ou menos assim:

Quem manda:

  1. Os Estados Unidos ainda é a potência mais influente, com liderança militar, econômica e cultural.
  2. A China emerge como grande rival dos Estados Unidos por ser uma grande potência em manufatura e comércio.
  3. A Rússia, apesar de não ter muito peso econômico, tem muito grande poder no cenário mundial devido sua força militar e controle de recursos energéticos.
  4. A União Europeia também tem grande representatividade especialmente quando o assunto é economia e diplomacia.

Quem obedece:

  1. Países menores ou menos poderosos, como nações em desenvolvimento na África, Ásia e América Latina, que se alinham às grandes potências por dependência econômica ou militar.

Quais são regras:

  1. A ONU media conflitos e promove cooperação.
  2. O FMI e o Banco Mundial regulam as finanças e o desenvolvimento econômico.  
  3. A OMC define as normas para o comércio global.

Esse cenário reflete em um sistema onde a cooperação e a competição coexistem.

Mas desde quando o mundo é assim? Como as grandes potências mundiais e o controle de poder se alinharam desta maneira?

Antes da Primeira Guerra Mundial, estas questões de poder e controle funcionavam de forma bem diferente. A ordem mundial dançava ao som de outra música.

Entender esta parte da história é importantíssimo para a compreensão de como chegamos até aqui e termos uma noção do quão impactante é a implantação de uma nova ordem mundial, assim como aparentemente planeja Donald Trump em seu atual mandato.

Mas antes de elaborarmos esta conversa, vamos entender do que se trata o conceito de ordem mundial.

O que é uma ordem mundial?

“Ordem mundial” é um termo que descreve a estrutura de poder, as regras e os equilíbrios políticos, econômicos e militares que organizam as relações entre os países em um determinado período histórico.  

É como se fosse o jogo global que define:

  • Quem são os países que mandam;
  • Quem são os países que obedecem; e
  • Quais são as regras.

A introdução desta postagem mostrou como é a atual ordem mundial. Foram especialmente três eventos que determinaram esta forma do mundo:

  • A Primeira Guerra Mundial;
  • A Segunda Guerra Mundial;
  • A dissolução da União Soviética em 1991.

Mas antes da primeira grande guerra, lá em 1914, o mundo era regido pela multipolaridade, pelo colonialismo e pelo equilíbrio de poder entre as principais potências da época. Vamos fazer uma viagem no tempo e visitar o mundo no final do século XIX e início do século XX, antes das duas grandes guerras mundiais eclodirem.

Multipolaridade – a divisão de poder antes da Primeira Guerra Mundial

Em termos simples, neste sistema o poder estava dividido entre várias grandes potências, sendo que nenhuma delas era dominante o suficiente para impor sua vontade sozinha.

O mundo daquela época era dominado por múltiplas potências competindo por influência, como o Reino Unido, a França, a Alemanha, a Rússia e a Áustria-Hungria. 

Mais tarde, os Estados Unidos entraram neste grupo e, no fim do século XIX, o Japão também.

A maioria das demais partes do mundo eram colonizadas por estas grandes potências. Países europeus detinham colônias da África, Ásia e Oceania e dominavam a política, a economia e o exército de tais regiões.

Este regime era justificado por ideias de superioridade racial ou missão civilizatória, isto é, a crença que as potências colonizadoras tinham o dever moral de civilizar os povos considerados atrasados ou selvagens, segundo os padrões europeus.

Alguns exemplos do imperialismo são o Reino Unido que controlava a Índia, a França que dominava a Argélia e a Indochina, e a Bélgica que explorava brutalmente o Congo.

Mas qual era o papel de cada uma destas grandes potências no cenário mundial antes da Primeira Guerra Mundial? Essa parte é interessantíssima, vejamos.

Reino Unido

Como era a ordem mundial do mundo antes da Primeira Guerra Mundial - Londres
Londres no século XIX (The History of London)

Na época composto pela Inglaterra, Escócia, País de Gales e toda a Irlanda, o Reino Unido era considerado a principal potência global, “o império onde o sol nunca se põe”.

Tinha a marinha mais poderosa do mundo, o que era fundamental para proteger o comércio e controlar as colônias africanas e asiáticas que estavam sob seu domínio.

Para exemplificar o poder naval do Reino Unido, a Royal Navy, ou Marinha Real Britânica, tinha 22 dreadnoughts, que era o que havia de mais revolucionário em termos de navios de guerra, além de quase outros 180 navios de guerra tradicionais. A título de comparação, a Alemanha tinha 17 dreadnoughts; os EUA, 10; e a França, 04.

Londres era o coração das transações internacionais, o centro financeiro e comercial do mundo. A libra esterlina era a moeda global, com cerca de 60% do comércio mundial faturado nesta moeda. Países como EUA, Rússia e Japão contraíam dívidas em Londres para financiar infraestrutura, como ferrovias.

França

Com vastos territórios na África e no Sudeste Asiático, a França era a segunda maior potência colonial.

Como era a ordem mundial do mundo antes da Primeira Guerra Mundial - Londres
Representação da França no século XIX (National Gallery of Art)

Era muito influente em termos cultural e intelectual, ditando tendências na literatura, filosofia e moda. Também tinha força no desenvolvimento científico, artístico e industrial.

Obras como Os Miseráveis (1862) e O Corcunda de Notre-Dame (1831) influenciaram não apenas a literatura, mas também debates sociais sobre pobreza e justiça. Com A Comédia Humana, uma série de mais de 90 romances e histórias, retratou a sociedade francesa e inspirou escritores do mundo todo.

No século XIX, Paris consolidou-se como referência mundial de elegância e estilo, com grandes costureiros como Charles Frederick Worth, considerado o pai da alta-costura. O jeito de se vestir da alta sociedade parisiense era imitado por elites europeias e até americanas.

Na Medicina, Louis Pasteur revolucionou a área científica com a pasteurização e estudos sobre microrganismos, salvando milhões de vidas até hoje.

E na Ciência, não podemos deixar de mencionar Marie Curie, Prêmio Nobel pela pesquisa sobre os elementos rádio e polônio.

Resumindo, a França era vista como “a capital cultural do mundo” no século XIX, influenciando estilos de vida, pensamentos, arte e ciência em praticamente todos os cantos do globo.

Áustria-Hungria

Uma rua da Croácia, na Áustria-Hungria, no século XIX Ordem mundial
Uma rua da Croácia, na Áustria-Hungria, no século XIX (Wikimedia Commons)

Esta potência formada pela união da Áustria e da Hungria firmada desde 1867 ocupava uma posição única na multipolaridade europeia. Apesar de muitas vezes ser vista como menos dinâmica do que Reino Unido, França, Alemanha ou Rússia, o Império Habsburgo foi uma potência-chave por diversas razões.

A começar, podemos citar uma característica bem singular deste império: sua rara diversidade étnica e cultural. No mesmo território habitavam alemães, húngaros, tchecos, eslovacos, croatas, sérvios, poloneses, ucranianos, romenos, italianos e outros povos.

Isso trazia uma vasta riqueza cultural. Mas também grande instabilidade política

A convivência entre diferentes povos alimentava rivalidades, desconfianças e movimentos separatistas uma vez que eles tinham identidades, línguas, religiões e aspirações nacionais bastante distintas.

Por exemplo, no século XIX, com o nacionalismo se espalhando pela Europa, cada grupo dentro do império austro-húngaro queria afirmar sua própria identidade nacional, buscar autonomia, autogoverno e proteção de sua língua e cultura.

Os tchecos e eslovacos queriam maior autonomia dentro do império. Os Sérvios e croatas se inspiravam nas ideias de liberdade nacional praticadas pelos vizinhos da Sérvia, que alcançaram a independência. Quanto aos poloneses, romenos e italianos, estes buscavam união com seus povos de fora do império.

Sem falar da desigualdade e da discriminação. O império era governado de Viena (Áustria) e Budapeste (Hungria), com o centro do poder longe das regiões periféricas, que sentiam suas demandas negligenciadas.

O sistema favorecia a elite austríaca de língua alemã e a elite húngara, enquanto as demais etnias tinham menos poder, menos direitos políticos e pouca representatividade. As línguas minoritárias eram, muitas vezes, excluídas das escolas e dos serviços públicos.

Os diferentes grupos concorriam entre si por territórios, reconhecimento e direitos. Isso gerava tensões internas, protestos e até pequenos confrontos, que acabavam por enfraquecer o império de dentro para fora.

Falando do papel diplomático e político da Áustria-Hungria, o império era uma das cinco grandes potências do Concerto Europeu, tendo papel fundamental nas decisões do continente após as Guerras Napoleônicas.

Graças à unificação de todos os povos que a formavam, o império tinha um dos maiores exércitos da Europa. Mas enfrentava desafios de comando devido à multiplicidade de línguas e culturas nas fileiras militares.

Tinha polos industriais notáveis, como Viena, Budapeste, Praga e Trieste, mas com ritmo mais lento e desigual quando comparado à Alemanha ou ao Reino Unido.

Viena se destacava por seus importantes centros universitários importantes, principalmente nas áreas de medicina, psicologia, artes e ciências naturais. Foi o berço de Sigmund Freud, pai da psicanálise; e de 

Ludwig Boltzmann, destaque na física estatística.

E mais ainda notável em Viena era o aspecto cultural da cidade. Foi onde nasceu a música clássica, com Strauss e Mahler e onde se desenvolveu a genial arte de Gustav Klimt.

Concluímos que a Áustria-Hungria era um império complexo, vibrante em cultura e ciência. mas vulnerável por suas divisões internas e tensões nacionalistas.

Alemanha

A Alemanha era a principal potência industrial da Europa continental. Liderou setores como aço, carvão, químicos (com empresas como Bayer e Siemens), engenharia e eletricidade.

Como era a ordem mundial do mundo antes da Primeira Guerra Mundial - Alemanha
Representação da Alemanha no século XIX (Spiegel)

Além disso, universidades e centros técnicos alemães atraíam estudantes e cientistas do mundo inteiro. Foram as universidades alemãs que criaram o sistema moderno de pós-graduação, formando uma elite científica que influenciou o mundo inteiro.

O Império Alemão detinha talvez do mais avançado e disciplinado exército da Europa, um modelo de organização copiado globalmente. O país apostava no desenvolvimento de uma marinha de guerra moderna, desafiando a hegemonia britânica.

As cidades alemãs cresciam rapidamente, com infraestruturas como ferrovias, portos e fábricas exemplares. A Alemanha, inclusive, foi o berço da invenção do automóvel, com empresas como Mercedes-Benz e BMW.

Embora não fosse considerada “capital cultural” como Paris; Berlim, Munique e outras cidades eram centros de vida intelectual ativa, especialmente em música (Beethoven), filosofia (Nietzsche, Marx) e ciências sociais.

Podemos então dizer que a Alemanha era a locomotiva industrial e tecnológica da Europa, referência militar e de organização estatal, uma potência científica e educacional e o centro de inovação e pensamento.

Rússia

Como era a ordem mundial do mundo antes da Primeira Guerra Mundial - Russia
Russia no século XIX (New Eastern Europe)

Embora desempenhasse um papel diferente dos países europeus acima mencionados, a Rússia exerceu influência significativa na multipolaridade europeia.

Um grande destaque sempre foi sua extensão territorial, sendo o maior país do mundo neste quesito, abrangendo Europa Oriental, toda a Sibéria até o Pacífico, Ásia Central e o Cáucaso. A Rússia era uma verdadeira “colcha de retalhos” de povos, línguas e religiões.

Detentora do maior exército em termos numéricos, a estrutura militar da Rússia era importante tanto para a defesa quanto para a expansão e o controle sobre territórios vizinhos.

A Rússia competia com a Áustria-Hungria e o Império Otomano na região dos Bálcãs, assumindo o papel de protetora dos povos eslavos e cristãos ortodoxos.

Diferente da Alemanha e outras grandes potências europeias, o processo de industrialização da Rússia foi lento. Ganhou maior ímpeto no final do século XIX, com destaque nos setores de siderurgia e ferrovia.

Acerca da cultura, a Rússia fez importantes contribuições artísticas com compositores como Tchaikovsky. E que dizer do balé russo, que ganhou referência mundial?

Falando de sociedade e política, a Rússia foi laboratório de ideias políticas, do anarquismo ao socialismo revolucionário. Lênin foi uma figura marcante nesta seara no início do século XX.

Podemos concluir que a Rússia foi um gigante continental, mesclando influência militar e diplomática, expansão territorial e riqueza cultural, enquanto enfrentava grandes desafios internos de modernização.

Estados Unidos

Avenida Pennsylvania em Washington no ano de 1880 ordem mundial século XIX
Avenida Pennsylvania em Washington, Estados Unidos, no ano 1880
(Welcome Collection)

Apesar de não integrarem o “clube europeu” das grandes potências tradicionais, os Estados Unidos tiveram um papel bastante peculiar na multipolaridade mundial vigente no mundo pré guerras mundias.

Durante a maior parte do século XIX, os EUA estavam focados na expansão territorial interna e na consolidação nacional pós-Guerra Civil (1861-1865).

Inicialmente, adotaram a Doutrina Monroe (1823), uma política externa que buscava afastar potências europeias das Américas.

Entre 1860 e 1914, os Estados Unidos tiveram uma explosão industrial, tornando-se a maior economia industrial do mundo. Alguns segmentos de grande destaque estavam na produção de aço, extração de  petróleo, construção de ferrovias e novos métodos produtivos, como o sistema implantado por Ford.

Inovações científicas e tecnológicas, como o telefone (Graham Bell) e a lâmpada elétrica (Edison) tornaram-se símbolos do potencial inovador americano.

Chamados de “fábrica do mundo” no início do século XX, tornaram-se um dos principais destinos de imigrantes, aumentando a força de trabalho e dinamismo econômico.

Foi neste contexto histórico que os Estados Unidos incorporaram vastos territórios de localidades que antes pertenciam ao México e à Espanha.

Diplomaticamente falando, apesar de evitarem alianças militares com potências europeias, participavam de negociações de paz e tinham crescente influência na definição de normas e “direitos” internacionais, defendendo mercados abertos e investimentos externos.

Sim, os Estados Unidos eram principalmente uma potência regional em ascensão. Seu crescimento acelerado em população, riqueza, tecnologia e ambição imperial desenhou o cenário para sua atuação decisiva no século XX.

Japão

Como era a ordem mundial do mundo antes da Primeira Guerra Mundial - Japão
Japão no início do século XX (Asian Studies)

O Japão foi o caso mais marcante de ascensão de uma potência não europeia na multipolaridade do final do século XIX e início do século XX. A transformação japonesa surpreendeu o mundo e alterou o equilíbrio de poder no leste asiático.

Até meados do século XIX, o Japão era um país isolado, com contatos limitados ao exterior.

Entre 1868 e 1912, no entanto, passou por uma modernização radical. Aboliu o xogunato feudal e restaurou o poder imperial, adotando métodos, indústrias e tecnologias ocidentais.

E não parou por aí. O Japão também investiu na construção de uma marinha e exército modernos, seguindo os moldes dos impérios britânico e alemão.

Em 1895, venceu a Guerra Sino-Japonesa, quando derrotou a China, conquistou Formosa (o atual Taiwan) e ganhou influência na Coreia. E a Guerra Russo-Japonesa (1904-1905) ficou na história como a primeira vez que uma potência asiática venceu uma europeia.

O Japão reverberou no mundo todo como prova da nova força das potências não ocidentais.

Após derrotar Rússia e China, o Japão passou a ser reconhecido como “Grande Potência”. Participou de conferências internacionais e em 1902, celebrou a Aliança Anglo-Japonesa com o Reino Unido, que foi a primeira aliança tecnológica-militar entre uma potência europeia e um país asiático.

A ascensão do Japão também refletiu em aspectos culturais e científicos da sociedade japonesa, que passou a adotar vestimentas, estilos arquitetônicos e tecnologias ocidentais sem deixar de preservar valores tradicionais.

Entendemos, portanto, que no período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial, o Japão transformou-se de um Estado isolado em uma potência industrial e militar moderna, surpreendendo o mundo com vitórias sobre grandes impérios, estabelecendo presença imperialista na Ásia e se inserindo no rol de potências que se destacavam no cenário global.

Agora que sabemos mais sobre as forças e fraquezas de cada potência que marcou a multipolaridade da ordem mundial do século XIX, podemos falar de mais um aspecto notável deste período histórico – o equilíbrio de poder entre as grandes potências.

Equilíbrio de poder entre potências

Esta estratégia diplomática evitava que uma única potência se tornasse hegemônica, ou seja, que detivesse o poder soberano. Para tanto, eram estipulados alianças e acordos.

Alguns exemplos que ilustram este mecanismo são a Tríplice Entente, que uniu França, Reino Unido e Rússia; o Congresso de Viena em 1815, que reorganizou a Europa pós-Napoleão; e a Era Bismarck na Alemanha, que fazia o uso de alianças para isolar a França e evitar uma guerra em duas frentes.

O mundo era como uma dança das cadeiras entre grandes potências rivais que desejavam poder e supremacia. Nenhuma delas dominava sozinha (multipolaridade), mas todos queriam mais colônias (imperialismo) e influência. Para não perderem, faziam alianças e equilibravam o poder.

Até que, em 1914, um assassinato nos Bálcãs virou o estopim da 1ª Guerra Mundial, destruindo completamente esta ordem mundial. Era uma época de competição sem regras.

Este será o tema da nossa próxima conversa.

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