Pelo menos nem sempre a procrastinação está relacionada a um comportamento preguiçoso.
Numa postagem recente, comentei que estou lendo o livro Quatro mil semanas – gestão de tempo para mortais, de Oliver Burkeman. A consideração deste livro me fez perceber que existem dois tipos de procrastinador:
O bom procrastinador aceita que não pode fazer tudo e, com sabedoria, decide em quais tarefas irá focar e quais irá negligenciar. Há, inclusive, três formas de fazer isso, conforme compartilhei aqui.
O mau procrastinador, por outro lado, se vê paralisado porque não suporta a ideia de enfrentar suas limitações. E é exatamente aqui que fica nítido que a procrastinação tem mais a ver com fuga emocional do que com morosidade ou preguiça.
Como assim?
O mais suntuoso palácio que nunca saiu do papel
Era uma vez, na cidade de Shiraz, na Pérsia, um arquiteto famoso por suas habilidades extraordinárias em projetar edifícios belos e inovadores. Seu talento era tão admirável que até mesmo os reis de terras distantes buscavam seus serviços.
Certa vez, o arquiteto de Shiraz projetou, despretenciosamente, o mais lindo palácio do mundo, de estrutura deslumbrante. Cada detalhe do esboço exalava arte e denotava indescritível precisão.
Todos os que viram os projetos arquitetônicos quiseram comprá-los ou roubá-los. Constutores famosos imploraram que lhes permitissem assumir a obra.
Qual foi a reação do arquiteto?
Ele se trancou em seu estúdio e ficou olhando os planos durantes três dias e três noites.
E o que ele fez depois deste período?
Ele decidiu queimar os projetos.
Por que ele fez isso??
Além de gênio, esse arquiteto era perfeccionista. Pensar nas concessões que ele teria que fazer para tornar real o palácio perfeito que ele tinha na sua imaginação era angustiante demais para ele.
Mesmo um impecável constutor inevitavelmente falharia em reproduzir tais planos com total fidelidade. Além disso, seria impossível proteger o palácio das decadências estruturais que fatalmente ocorreriam devido a passagem do tempo ou as ameaças de exércitos saqueadores.
Construir o palácio significaria enfrentar tudo o que estava fora do alcance do arquiteto. E para ele, era melhor acalentar uma fantasia ideal do que se resignar às limitações e imprevisibilidades da realidade.
Conseguiu captar o ponto que esta fábula salienta?
A procrastinação sobretudo tem a ver com o medo de encarar a preocupação de não termos talento suficiente para produzir um trabalho, ou que outros o recebam negativamente, ou o medo de não alcançar os resultados esperados.
Sim, o medo de fracassar é uma das principais alavancas de acionamento da procrastinação.
Jenny Yip, psicóloga clínica e diretora executiva do Little Thinkers Center, com sede em Los Angeles, explica que a preguiça está relacionada a pensamentos como, “Eu não tenho absolutamente nenhum desejo de sequer pensar sobre isso”. A procrastinação, por outro lado, é algo sobre “Me incomoda pensar nisso. Portanto, é difícil para mim concluir o trabalho”.
O que podemos fazer se não queremos ser paralisados por este medo e desejamos muito realizar um projeto engavetado, suspenso, adormecido, paralisado, adiado, em banho-maria?
Uma vida paralisada pela procrastinação
A procrastinação pode ter consequências práticas, como ficar para trás no trabalho ou não alcançar objetivos pessoais.
Mas também existem impactos emocionais.
A procrastinação está associada à depressão, ansiedade e estresse, sono ruim, atividade física inadequada, solidão e dificuldades econômicas, de acordo com um estudo de janeiro de 2023 realizado com mais de 3.500 estudantes universitários.
Você se identifica com algum ou alguns destes sintomas?
Saber por que você procrastina pode torná-lo autoconsciente, mas você ainda precisa de estratégias para quebrar o hábito.
E a estratégia que você vai empregar para vencer a procrastinação tem a ver com o propósito que a procrastinação está servindo para você, explica Vara Saripalli, psicóloga clínica de Chicago.
Como descobrir a qual propósito a procrastinação está te servindo?
Os tipos de procrastinador e como lidar com cada um deles
A fábula do arquiteto de Shiraz deixou bem claro que um procrastinador é, geralmente, um perfeccionista. Esse é um dos tipos de procrastinador.
Tem também o procrastinador preocupado. Este tipo tende a ser indeciso e dependente dos outros para conselhos ou garantias antes de tomar iniciativas por conta própria. Ele também tem uma alta resistência à mudança, preferindo a segurança do conhecido.
Tanto os perfeccionistas quanto os preocupados podem adiar o início das tarefas devido ao medo do fracasso ou da crítica, disse Itamar Shatz, pesquisador da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, e criador do site Solving Procrastination.
Como vencer esta crença limitante?
Por trazer a si mesmo constantemente o reconhecimento de que padrões perfeccionistas são irreias. “Substitua-os por padrões que sejam bons o suficiente enquanto se permite cometer alguns erros”, aconselha Shatz.
Evite o pensamento tudo ou nada e dê a si mesmo um limite de tempo para concluir uma tarefa.
E depois cumpra esse limite de tempo — não desista apenas porque não o cumpriu.
Oliver Burkman fala disso de um jeito taxativo e realista, com a lógica que precisamos para cair na realidade. Ele diz que se você está procrastinando porque está preocupado em não realizar um trabalho suficientemente bom para seus padrões, pode relaxar – porque, “a julgar pelos padrões falhos de sua imaginação, você definitivamente não fará um trabalho bom o suficiente.”
Isso me lembrou daquele velho ditado: “O que não tem solução, solucionado está.” O projeto vai ficar bom do jeito como você imagina? O perfeccionista já tem essa resposta: não. Então questão resolvida. O que te impede de começá-lo então?
Existe, no entanto, um tipo de procrastinador que não é ligado a minúncias para concluir seus projetos. Esse é o tipo sonhador.
Sobre este procrastinador, “eles gostam de ter ideias”, explica Saripalli, e existe a tendência de se verem como pessoas para quem o destino intervirá, fazendo com que o trabalho duro e eficiente pareça desnecessário.
E, como um perfeccionista, um sonhador pode sempre querer algo melhor.
O antídoto para esta crença limitante?
Treine-se para diferenciar sonhos de objetivos, e aborde os objetivos com seis perguntas: o que, quando, onde, quem, por que e como.
Mude “em breve” ou “um dia” para horários específicos. Escreva seus planos em um cronograma, especificando cada etapa.
Assim como lidar com distúrbios de ansiedade, lidar com a procrastinação pode ser difícil, especialmente se ela deriva de questões profundamente enraizadas, de comportamento praticados e repetidos há anos e mais anos.
Porém, seja um examinador e questionador de si mesmo e esteja consciente que a perda é um fato. Perceber que toda a escolha no mundo real implica em perdas concebidas no mundo da imaginação é libertador! Agora que você está solto desta amarra, mãos à obra!