Assim como prometera durante sua campanha eleitoral, já no início de seu mandato Donald Trump vem causando euforia no comércio e na economia mundiais com a aplicação de um tarifaço sem precedentes.
O que exatamente aconteceu? Por que Trump tomou estas medidas tão radicais? Quais os impactos mundiais deste tarifaço?
Cronologia dos eventos que culminaram no tarifaço
Vamos colocar na linha do tempo os principais fatos em relação às tarifas aplicadas pelos Estados Unidos a seus parceiros comerciais para entender melhor o que está acontecendo.
20 de Janeiro de 2025
No dia da posse, Donald Trump reitera planos para tarifas de 25% sobre importações do Canadá e do México a partir de 1º de fevereiro, sem anúncios imediatos para a China. Essa promessa reflete sua estratégia “America First”, visando proteger empregos americanos.
Qual a relação entre a aplicação de tarifas e proteção dos americanos?
Ocorre que as tarifas tornam os produtos importados mais caros, incentivando consumidores e empresas a comprar produtos nacionais. Com o aumento da procura de produtos nacionais, as indústrias locais podem aumentar a produção, gerando mais empregos nas fábricas e em toda a cadeia de suprimentos.
1º de Fevereiro de 2025
Trump assina um decreto executivo impondo tarifas de 10% sobre todas as importações chinesas e 25% sobre o Canadá e o México.
Conforme divulgado no White House Fact Sheet, canal oficial de informações da Casa Branca, o objetivo das tarifas é conter o fluxo de drogas ilegais, especialmente fentanil; bem como a entrada de imigrantes ilegais. Mas sabemos que o buraco é mais embaixo e logo conversaremos melhor sobre isso.
4 de Fevereiro de 2025
As tarifas de 10% sobre a China entram em vigor.
Trump afirma que o intuito é corrigir desequilíbrios comerciais e exigir melhores práticas comerciais da China, como proteção de propriedade intelectual.
Como assim?
Acontece que os Estados Unidos têm um grande déficit comercial com a China, o que significa que importam muito mais produtos da China do que exportam.
Em valores, o México é o país que mais exporta para os Estados Unidos. Veículos automotores e peças representam a categoria mais valiosa, cerca de $130 bilhões USD. Sim, o México é o maior exportador de veículos para os EUA, superando Japão e Alemanha. O país é sede de montadoras como GM, Ford, Nissan e Volkswagen.
Máquinas e equipamentos elétricos, petróleo e derivados e produtos médicos e farmacêuticos são outras categorias que também movimentam as transações entre estes países vizinhos.
No entanto, quando o assunto é volume, a China é quem mais exporta para os americanos. Segundo dados oficiais do U.S. Census Bureau, o déficit comercial dos Estados Unidos com a China em 2023 foi de $279.4 bilhões de dólares. Isso significa que os EUA importaram da China $279.4 bilhões a mais do que exportaram para lá.
E quanto à proteção de propriedade intelectual? O que isso quer dizer?
Uma das principais queixas dos EUA é que empresas americanas enfrentam roubos de propriedade intelectual na China. Isso inclui tecnologias e patentes copiadas sem remuneração justa.
Empresas americanas que queriam operar na China frequentemente tinham que formar joint ventures com empresas locais, resultando na transferência de tecnologia para os parceiros chineses, de acordo com governo americano. Os EUA consideram essa prática injusta.
E como a China respondeu a este anúncio de tarifas?
Com retaliação.
Xi Jinping, o presidente da China, anunciou a aplicação de tarifas retaliatórias sobre produtos americanos, igualando o jogo e marcando um ponto crítico na guerra comercial entre os dois países.
4 de Março de 2025
Tarifas de 25% sobre o Canadá e o México começam a ser aplicadas.
O Canadá respondeu com tarifas retaliatórias de 25% sobre US$ 30 bilhões em produtos dos EUA a partir de 4 de março de 2025, e adicionou mais US$ 29,8 bilhões em 13 de março, totalizando US$ 59,8 bilhões. Esses produtos incluem aço, alumínio, computadores, equipamentos esportivos e veículos.
O México anunciou planos de impor tarifas retaliatórias, mas os detalhes até então não foram confirmados. Relatos sugerem tarifas de 5% a 20% sobre carne suína, queijo, produtos agrícolas, aço e alumínio, mas a presidente Claudia Sheinbaum optou por diálogo, adiando a escalada e focando em aumentar a produção doméstica.
Quanto à China, eis que após a retaliação, Trump dobra a tarifa para 20%!
2 de Abril de 2025 – “Dia da Libertação”
Em um evento na Casa Branca, Trump apresenta as “tarifas recíprocas”, marcando um tarifaço global.
O que são “tarifas recíprocas”?
Trata-se de uma política comercial que propõe que os EUA cobrem as mesmas tarifas que outros países impõem aos produtos americanos. Por exemplo: Se o Brasil cobra 20% sobre carros dos EUA, os EUA também cobrariam 20% sobre carros brasileiros. Se a China aplica 50% sobre a soja americana, os EUA retaliariam com 50% sobre produtos chineses equivalentes.
O presidente dos Estados Unidos anunciou uma tarifa base de 10% aplicada a quase todos os países que entrou em vigor em 5 de abril, exceto Canadá e México, que já têm tarifas específicas de 25%.
No entanto, há países que, desde 09 de abril, sofrem a aplicação de alíquotas mais altas devido práticas comerciais não recíprocas ou discriminatórias. São eles:
China: 34% (além das tarifas anteriores, depois ajustada para 145% incluindo 20% sobre fentanyl)
União Europeia: 20%
Coreia do Sul: 25%
Japão: 24%
Taiwan: 32%
Produtos como petróleo, minerais e farmacêuticos foram isentados.
O Brasil foi taxado na alíquota mínima de 10%, refletindo seu pequeno déficit comercial com os EUA (US$ 300 milhões em 2024).
9 de Abril de 2025
Apesar das tarifas recíprocas mais altas (de 11% a 50%) entrarem em vigor nesta data, Trump suspende muitas delas por 90 dias para permitir negociações, exceto para a China.
A China vê suas tarifas aumentarem para 125% (que em 10 de abril passaram a ser ajustadas para 145%), e responde com tarifas de 84% sobre produtos americanos a partir de 10 de abril, escalando a disputa.
Outros países, como Vietnã (46%) e Tailândia (36%), também enfrentam alíquotas elevadas.
10 de Abril de 2025
A UE decide suspender suas retaliações sobre aço e alumínio por 90 dias para negociar, enquanto a China intensifica suas medidas, adicionando 27 empresas americanas à listas de sanções comerciais.
12 de Abril de 2025
Estados Unidos isentam celulares e eletrônicos das tarifas sobre importações chinesas.
Empresas de tecnologia como Apple, Nvidia e Microsoft dependem fortemente da fabricação chinesa. Por exemplo, cerca de 90% da produção de iPhones da Apple ocorre na China, segundo estimativas da Wedbush Securities.
Sem a isenção, as tarifas poderiam adicionar custos significativos, como cerca de US$ 700 em cada iPhone!
O governo Trump justificou a isenção como parte de uma estratégia de longo prazo para reduzir a dependência de tecnologias fabricadas na China. O presidente incentivou empresas a transferirem a produção para os EUA, citando investimentos de empresas como Apple, TSMC e Nvidia em manufatura doméstica, conforme mencionado no CNN.
A reação do mercado foi positiva, com analistas descrevendo a isenção como “a melhor notícia possível para investidores de tecnologia”.
A medida, no entanto, não está isenta de controvérsias. O Washington Post reporta críticas de que a isenção favorece grandes corporações. Por exemplo, empresas como Apple e Google fizeram doações de US$ 1 milhão ao fundo inaugural de Trump, levantando questões sobre influência política.
Quais as consequências mundiais do tarifaço do Trump?
As tarifas de Trump podem levar a uma recessão global, afetando cadeias de suprimento e aumentando preços.
Nos Estados Unidos
As tarifas, especialmente as de 145% sobre a China, devem aumentar preços de produtos importados, como brinquedos e eletrônicos, afetando os consumidores.
De acordo com o Tax Foundation, a economia pode ver uma redução de 1,0% no PIB, perda de empregos e uma carga tributária média de US$ 1.280 por família em 2025.
O objetivo é proteger empregos locais, mas isso pode elevar a inflação.
Na China
O comércio entre os dois países pode cair 80%, impactando severamente indústrias exportadoras, com empresas possivelmente aumentando preços ou saindo de plataformas como a Amazon. Isso pode desacelerar o crescimento econômico chinês.
Fábricas na China estão enfrentando sérias dificuldades. Cerca de 90% dos membros da Associação de Comércio Eletrônico Transfronteiriço de Shenzhen fazem negócios com os EUA produzindo roupas, sapatos e bolsas para empresas como SHEIN e Temu. Muitas fábricas suspenderam operações, cortaram salários ou deram fins de semana livres.
Pesquisas sugerem que muitas indústrias estão fechando ou reduzindo operações. A BBC cita estimativas do Goldman Sachs de que 10 a 20 milhões de trabalhadores podem estar envolvidos em exportações para os EUA.
Varejistas chineses estão tentando se adaptar, explorando mercados como Sudeste Asiático, Rússia e TikTok Shop. Também, a China está reforçando acordos com ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático), como com a Malásia, e retomando negociações com a UE sobre veículos elétricos. Mas o impacto nos empregos e na economia local é evidente.
No mundo
Há um risco elevado de recessão global. Ray Dalio, o investidor mais influente do mundo, alerta para um colapso na ordem econômica e política mundial.
Nações asiáticas dependentes de exportações para os EUA, como Vietnã (tarifa de 46%), Camboja (49%) e Bangladesh (37%), enfrentam desafios severos.
Por exemplo, compradores dos EUA já estão cancelando pedidos com exportadores do Bangladesh, impactando no setor de vestuário, que emprega 4 milhões de pessoas. O Vietnã, que fabrica 50% dos calçados da Nike e 39% dos da Adidas, pode perder até 40% de suas exportações totais de bens.
Qual é a real sobre os tarifaços de Trump?
Trump é um gênio ou é um louco? Qual é o objetivo do presidente dos Estados Unidos ao provocar tal comoção global, sabendo que o resultado será uma recessão na economia mundial?
A verdade é que ninguém sabe com assertividade o propósito e o resultado destas medidas. Talvez nem o próprio Trump.
No entanto, algumas considerações precisam ser mencionadas.
Ray Dalio, citado anteriormente, acredita que as tarifas impostas por Trump não são o cerne do problema. Ele são apenas o reflexo de questões mais profundas.
Em um recente artigo publicado no Business Insider, o investidor identificou uma questão que gera muita preocupação – a dívida insustentável dos EUA.
A relação dívida-PIB dos Estados Unidos atingiu 121% no quarto trimestre de 2024, segundo o artigo.
Esse dado indica que a dívida pública dos Estados Unidos é bem maior que a riqueza que a nação está produzindo.
Do que se trata esta dívida pública?
É o total que o governo americano deve por gastar mais do que arrecada via impostos ao longo dos anos. Estes gastos surgem por déficits orçamentários relacionados a guerras, crises, gastos sociais, corte de impostos, etc.
Os EUA importam muito. Como resultado, muitos dólares vão para países como China, Japão bem como boa porção da Europa.
Esses países, por sua vez, usam os dólares para comprar títulos do Tesouro americano, financiando a dívida pública dos EUA.
“O que são estes títulos do Tesouro Americano?”, você talvez se pergunte.
Tratam-se de “certificados de dívida” emitidos pelo governo dos EUA para financiar seus gastos. Esses credores, em troca, ganham milhões em juros e a segurança de estarem aplicando no investimento mais seguro do mundo, já que os Estados Unidos nunca calotearam uma dívida.
Essa dependência de empréstimos, especialmente de países como a China, criou um sistema de mercado baseado em dívida, o que Dalio vê como insustentável.
Uma dívida/PIB de 121% significa que, cedo ou tarde, os juros consumirão o orçamento. Os EUA gastam US$ 1 tri/ano só com juros!
Ademais, cansada de financiar os EUA, a China está reduzindo a compra de títulos. Prefere investir em ouro, infraestrutura global (Belt and Road) e comércio em yuan, sua moeda oficial.
Muitos países não estão mais utilizando o dólar como moeda de negociação. É cada vez mais comum a utilização de criptomoedas ou moedas locais, como acontece entre os países do BRICS+. Além disso, Rússia e China vem liquidando títulos do Tesouro americano.
Os EUA estão usando tarifas para reduzir o déficit comercial. Tornar os produtos chineses mais caros incentiva a produção local. Mais indústrias seriam construídas, mais empregos seriam gerados e mais impostos arrecadados, reduzindo a dívida pública do país.
“America First”
Slogan da campanha e dos discursos do atual presidente dos Estados Unidos, “America First” é uma política de Trump que foca colocar os interesses dos EUA em primeiro lugar, especialmente no comércio.
Com a aplicação das tarifas, o governo quer reduzir a dependência de cadeias de suprimento estrangeiras e estimular a produção doméstica, alinhando-se com a promessa de campanha de Trump de proteger trabalhadores americanos e fortalecer a economia nacional..
Ray Dalio vê “America First” como parte de uma transição para uma nova ordem global onde o poder dita as regras.
Sim, uma nova ordem global. Isso significa que o mundo como vemos agora está prestes a mudar. Este será o tópico da nossa próxima conversa.