Continuando nossa conversa sobre Vincent van Gogh

saúde mental e biografia de Vincent van Gogh
O declínio do brilhante artista van Gogh e seu precoce fim.

Na leitura anterior, conversamos sobre o início da vida e da carreira de Vincent van Gogh, o cérebro e talento por detrás de lindas obras como “Os Girassóis” e “A Noite Estrelada“.

Nos emocionamos com a bela cumplicidade entre Vincent e Theo, seu irmão; ficamos agoniados quando van Gogh não conseguia encontrar seu rumo na vida; e vibramos quando, finalmente, ele se identificou como artista, especializou suas técnicas e encontrou nas telas e nas tintas o dom que verberava em seu interno ser.

Porém, ficamos um pouco preocupados ao ler as palavras finais da postagem, que adiantavam que nuvens sombrias pairavam sob o céu de van Gogh.

Paramos quando o clima no ateliê de pintura da Casa Amarela estava notavelmente tenso. Paul Gauguin e Vincent van Gogh estavam em constantes discussões e chegamos no episódio quando, após uma briga com o colega de arte, van Gogh corta a própria orelha, a embrulha num jornal e dá este pedaço do seu corpo para uma prostituta.

O que sucede este turbulento episódio? O que aconteceu com van Gogh? Por que ele estava tão desequilibrado?

A saúde mental de van Gogh

Na manhã seguinte ao corte de sua orelha, Vincent van Gogh foi internado em um hospital em Arles, a cidade onde ele estava morando, no sul da França.

Theo, seu irmão mais novo, que sempre esteve ao lado do irmão – apoiando sua arte e o ajudando financeiramente – tão logo ouviu a notícia, dirigiu-se ao hospital.

“Encontrei Vincent no hospital em Arles. As pessoas ao seu redor perceberam pela sua agitação que, nos últimos dias, ele vinha apresentando sintomas daquela doença mais terrível, a loucura, e um ataque de fièvre chaude (febre quente), quando se feriu com uma faca. Foi a razão pela qual ele foi levado ao hospital. Ele permanecerá insano? Os médicos acham isso possível, mas ainda não se atrevem a dizer com certeza.” – Theo van Gogh para Jo Bonger, 28 de dezembro de 1888

Theo retornou a Paris imediatamente após visitar o hospital, e Gauguin – o colega de arte de van Gogh, que compartilhava o ateliê de arte na Casa Amarela – fez o mesmo.

O sonho de Vincent de ter estúdio compartilhado acabara de desmoronar.

Van Gogh pouco recordava o incidente com a orelha e, quando recebeu alta do hospital no início de janeiro de 1889, retomou a pintura.

Emile Schuffenecker fez uma cópia do autoretrato feito por Vincent com uma bandagem na orelha decepada
Emile Schuffenecker fez uma cópia do autoretrato de Vincent van Gogh com uma bandagem na orelha decepada
Fonte: Van Vogh Museum

Nos meses seguintes, no entanto, sua saúde mental oscilou drasticamente. Temendo um novo surto psicótico, van Gogh se internou voluntariamente no hospital psiquiátrico Saint-Paul-de-Mausole em Saint-Rémy, na França, em maio daquele mesmo ano.

Assim que Vincent chegou à clínica em Saint-Rémy, ele passou por um período de descanso.

Nada disso!

Van Gogh imediatamente começou a trabalhar novamente.

Foi, inclusive, ao contemplar o céu estrelado da janela do seu quarto que nasceu uma de suas obras mais famosas, A Noite Estrelada, que atualmente se encontra no Museu de Arte Moderna (MoMA), em Nova York, nos Estados Unidos.

Obras de arte De sterrennacht - Noite estrelada - de Vincent van Gogh
A Noite Estrelada (De sterrennacht), 1889

Os azuis rodopiantes do manto noturno iluminado pela lua, capturando a sensação de movimento e energia no céu, tornaram-se sinônimo do estilo do artista e da qualidade emocional do uso da cor. A pintura é amplamente reconhecida pela sua profundidade emocional e beleza, e continua a inspirar e cativar os espectadores em todo o mundo.

Nos seus dias bons, van Gogh frequentemente pintava no jardim murado da instituição e mais tarde, foi autorizado a trabalhar também fora do hospital.

Vincent ganhou um quarto extra dentro da clínica para usar como ateliê, onde produziu uma série de obras, incluindo cópias de gravuras e pinturas de Rembrandt e Jean-François Millet, dois artistas influentes na história da arte europeia.

Cópias de Van Gogh de “Repouso ao Meio-Dia”, de Millet; e de “A Ressureição de Lázaro”, de Rembrandt
Cópias de Van Gogh de “Repouso ao Meio-Dia”, de Millet;
e de “A Ressureição de Lázaro”, de Rembrandt

Infelizmente, a saúde mental de Vincent van Gogh continuou a flutuar.

Durante um período de extrema confusão, ele comeu um pouco de sua tinta a óleo, e então, ficou restrito a desenhar por um tempo.

No entanto, Vincent foi excepcionalmente produtivo em Saint-Rémy, onde completou cerca de 150 pinturas no espaço de um ano.

“Quanto a mim, minha saúde está boa, e quanto à cabeça será, esperemos, uma questão de tempo e paciência.” – Vincent para Theo, Saint-Rémy-de-Provence, entre 31 de maio e 6 de junho de 1889

Enquanto isso, em Amsterdã, Theo casou-se com Johanna (Jo) Bonger, em abril de 1889.

Em janeiro de 1890, Vincent recebeu uma correspondência em Saint-Rémy com a emocionante notícia de que Theo e Jo deram à luz ao primeiro filho e que ele recebera o nome do tio: Vincent Willem van Gogh. Vincent enviou-lhes uma pintura especial que produziu lá mesmo, no hospital: Amandelbloesem. (Amendoeira em Flor em português e Almond Blossom, em inglês)

Almond Blossom ou Amendoeira em Flor, de Vincent van Gogh - Extraído do site Van Gogh Museum
Almond Blossom ou Amendoeira em Flor – Fonte: Van Gogh Museum

“Eu preferiria que ele tivesse chamado o filho pelo nome do papai, em quem tenho pensado tantas vezes ultimamente, do que pelo meu, mas de qualquer forma, como já foi feito, comecei imediatamente a fazer uma pintura para ele, para pendurar em seu quarto. Grandes ramos de flores de amendoeiras brancas contra um céu azul. – Vincent para sua mãe, 19 de fevereiro de 1890

Ascensão das obras de arte de van Gogh

Seis das pinturas de Vincent foram expostas em Bruxelas no início de 1890, numa exposição coletiva da associação de artistas belgas Les Vingt (Os Vinte).

O crítico de arte Albert Aurier já havia publicado um artigo positivo sobre a obra de Van Gogh e uma das pinturas expostas, La Vigne Rouge, (A Vinha Vermelha, em português ou The Red Vineyard, em inglês) foi vendida durante a mostra.

Sim! A obra de van Gogh estava começando a ser apreciada.

Mas esta não foi a primeira vez que as obras de van Gogh foram exibidas: Theo submetia as suas pinturas desde 1888 ao anual Salon des Indépendants, em Paris. Dez obras de Vincent foram selecionadas para inclusão em março de 1890, e a resposta foi muito positiva:

“Como eu ficaria satisfeito se você estivesse presente na exposição dos Independentes. […] Suas pinturas estão bem posicionadas e parecem muito bem. Muitas pessoas vieram me pedir para elogiar você. Gauguin disse que as suas pinturas são a chave da exposição.” – Theo para Vincent, Paris, 19 de março de 1890

Em maio de 1890, Vincent van Gogh deixou o hospital psiquiátrico de Saint-Rémy e foi para o norte da França, em Auvers-sur-Oise, onde várias artistas residiam.

A pequena cidade de Auvers ofereceu a Vincent a paz e tranquilidade que ele precisava e, ao mesmo tempo, a facilidade de visitar seu irmão Theo, que estava em Paris. Nesta mesma comuna onde van Gogh estava habitando morava Paul Gachet, um médico que poderia ficar de olho nele.

Vincent rapidamente fez amizade com Gachet que, por sinal, era um pintor amador. Paul aconselhou o amigo e paciente a dedicar-se completamente à sua arte.

E foi isso o que van Gogh fez, pintando os jardins e campos de trigo ao redor da aldeia em um ritmo febril. Vincent se dedicou tanto à pintura neste período a ponto de completar uma arte por dia!

A saúde de nosso querido artista parecia estar melhorando.

Problemas financeiros

No início de julho de 1890, Vincent visitou Theo e sua família em Paris. Foi quando ele soube que seu irmão estava pensando em largar o emprego na casa de negociantes de arte que há tantos anos ele administrara.

O objetivo de Theo era montar seu próprio negócio, o que inevitavelmente representava um certo risco financeiro.

Vincent van Gogh voltou para Auvers preocupado.

“Uma vez de volta aqui eu também ainda me sentia muito triste e continuava sentindo a tempestade que ameaça você também pesando sobre mim. O que pode ser feito – você vê, eu geralmente tento ser bem-humorado, mas minha vida também é atacada pela raiz, meu passo também está vacilante.” – Vincent para Theo, Auvers-sur-Oise, por volta de 10 de julho de 1890

Tanto Theo quanto sua esposa Jo escreveram a Vincent para tranquilizá-lo.

No entanto, a incerteza financeira e o medo de que os seus ataques nervosos pudessem regressar tiveram um grande impacto na saúde mental de Van Gogh. Ele não conseguia se livrar da tristeza em relação ao futuro.

Campo de trigo sob céu nublado

“. . . sabendo claramente o que queria, pintei mais três grandes telas desde então. São trechos imensos de trigais sob céus turbulentos, e fiz questão de tentar expressar tristeza, solidão extrema. Você verá isso em breve, espero – pois espero levá-las para você em Paris o mais rápido possível, já que quase acredito que essas telas lhe dirão o que não posso dizer em palavras, o que considero saudável e fortificante sobre o campo.” – Vincent para Theo, Auvers-sur-Oise, por volta de 10 de julho de 1890

Por mais “saudável e fortificante” que Vincent achasse o campo, foi em vão. Sua doença e sua incerteza sobre o futuro tornaram-se demais.

Em 27 de julho de 1890, ele entrou em um campo de trigo e deu um tiro de pistola no peito. O artista ferido cambaleou até seu quarto na Auberge Ravoux, a pousada onde ele estava.

Theo imediatamente se dirigiu para Auvers e esteve presente quando seu irmão morreu no dia 29 de julho. Acredita-se que van Gogh não tenha morrido especificamente por perfurar algum órgão vital com o tiro, mas sim, devido as infecções causadas pelo mesmo.

Deitado em seu leito de morte, as últimas palavras de Vincent van Gogh foram: “A tristeza durará para sempre”.

Vincent foi enterrado em Auvers em 30 de julho de 1890. Seu legado foi um grande conjunto de obras de arte que incluem mais de 850 pinturas e quase 1.300 obras em papel.

Ironicamente, em 1890, ele avaliou modestamente o seu legado artístico como de importância “muito secundária”.

Champ de blé sous un ciel orageux - Wheatfield under Thunderclouds - Campo de Trigo Sob Céu Nublado
Champ de blé sous un ciel orageux – Campo de Trigo Sob Céu Nublado, 1890
Fonte: van Gogh Museum

A vida após a morte de van Gogh

Seis semanas após a morte de Vincent, Theo organizou uma exposição memorial do trabalho de seu irmão. Seus muitos esforços e contratempos indicavam que sua própria saúde também estava se deteriorando constantemente. Pouco depois da exposição, ele renunciou seu cargo na empresa onde há anos trabalhava e sofreu um grave colapso nervoso.

Theo foi internado numa clínica em Utrecht, ma Holanda, possivelmente sofrendo de sintomas físicos e mentais relacionados à sífilis. Ele morreu lá no final de janeiro de 1891, apenas meio ano após a morte de seu irmão.

As pinturas de Vincent va Gogh agora ficaram sob os cuidados da viúva de Theo, Jo van Gogh-Bonger.

Após a morte de Theo, Jo mudou-se para a cidade holandesa de Bussum com seu filho Vincent Willem, levando consigo a coleção de arte de Vincent e Theo.

Em 1901, ela casou-se novamente em 1901 com o pintor Johan Cohen Gosschalk e mudou-se com a nova família para Amsterdã depois de dois anos.

Jo procurou aumentar a conscientização pública sobre as pinturas de Vincent de várias maneiras, incluindo empréstimos para exposições em museus de todo o mundo. Cada vez mais compradores surgiram para o trabalho de Van Gogh.

Em 1914, Jo publicou a primeira edição das cartas de Vincent para Theo e, neste mesmo ano, reenterrou Theo em Auvers-sur-Oise, numa sepultura ao lado da de seu irmão.

Após a morte de Jo, em 1925, a coleção de arte de Vincent e Theo passou para o filho dela, o engenheiro Vincent Willem van Gogh, que emprestou as pinturas de seu tio ao Museu Stedelijk, Amsterdã, em 1930.

À medida que a fama de Vincent van Gogh crescia, surgiram pedidos para que a coleção fosse colocada num museu dedicado.

Em 1962, com o consentimento do Estado dos Países Baixos, o engenheiro transferiu a coleção Van Gogh para a Fundação Vincent van Gogh. Em troca, o Estado comprometeu-se a construir o Museu van Gogh e, posteriormente, a garantir que a coleção fosse acessível a todos para sempre.

Onze anos depois, as obras foram transferidas do Museu Stedelijk para um edifício especialmente projetado por Gerrit Rietveld.

A Rainha Juliana, que governou os Países Baixos de 1948 a 1980, inaugurou o Museu van Gogh em 2 de junho de 1973. Cerca de dois milhões de pessoas visitam o museu todos os anos.

“Não posso fazer nada se minhas pinturas não venderem. Chegará o dia, porém, em que as pessoas verão que valem mais do que o custo da tinta e da minha subsistência, muito escassa, na verdade, que investimos nelas.” – Vicente para Theo, Arles, cerca de 25 de outubro de 1888
Sepultura de Vincent van Gogh e seu irmão, Theo van Gogh, na França - Fonte vincentvangogh.org
Sepultura de Vincent van Gogh e seu irmão, Theo van Gogh
Fonte: vincentvangogh.org

Temperamento, delírios e inigualável arte

Van Gogh era conhecido por ter uma personalidade forte e difícil. Amigos e colegas achavam que ele tinha uma tendência para o auto martírio.

Perto do fim da vida de Vincent, seus vizinhos em Arles assinaram uma petição dizendo que van Gogh representava um perigo para a comunidade. Foi isso que o levou a se internar no hospital psiquiátrico Saint-Paul-de-Mausole.

Algo que diferencia van Gogh dos demais célebres artistas é a possibilidade de conhecermos detalhes da sua vida pessoal por meio das cartas que ele trocava especialmente com seu irmão, Theo. A maioria dos artistas visuais não são “bilíngues”, ou seja, não temos acesso a nenhuma informação deles senão a arte visual.

Por outro lado, através das cartas de van Gogh podemos acompanhar o desenvolvimento de sua arte e de sua vida pessoal. Suas 820 cartas foram traduzidas e anotadas pelo Museu van Gogh, que as publica em seu site.

Uma das cartas escritas por Vincent van Gogh
Carta de Van Gogh escrita em inglês ao artista australiano John Peter Russell, por volta de 17 de junho de 1888, Arles
Fonte: theartnewspaper.com

Especialistas médicos e psicológicos examinaram as descrições contemporâneas dos sintomas referentes à saúde mental de van Gogh bem como os tratamentos prescritos na tentativa de diagnosticar a condição do artista.

As possibilidades incluem sífilis, demência precoce, psicose alucinatória, alcoolismo, envenenamento por terebintina e intoxicação por gases, bem como esquizofrenia, transtorno maníaco-depressivo, distúrbio metabólico, delirium tremens, transtorno de personalidade limítrofe, epilepsia do lobo temporal e até insolação.

O Dr. Peyron, médico de Vincent na instituição em Saint-Rémy, concluiu que van Gogh sofria de uma forma de epilepsia. E, sendo o único diagnóstico médico oficial já feito, é o mais próximo que podemos chegar de uma resposta.

É provável que todos os fatores neurológicos, psicológicos e genéticos tenham desempenhado um papel significativo na saúde mental de van Gogh, mas tendo em conta que o paciente está morto e enterrado, nunca saberemos com certeza.

O faz da da arte da van Gogh algo tão especial, que transcende a passagem do tempo?

Van Gogh foi pioneiro no uso da cor para transmitir emoção e significado em suas obras de arte. Ele usou paletas de cores vibrantes e muitas vezes não convencionais para representar o humor e os sentimentos que desejava expressar.

A pincelada de van Gogh é singular por sua textura e intensidade. Ele muitas vezes aplicava tinta espessa e com pinceladas visíveis, criando uma sensação de movimento e profundidade em suas obras. Essa técnica – conhecida como impasto – conferiu uma qualidade tátil às suas pinturas.

Os retratos de Van Gogh, incluindo os seus autorretratos, são conhecidos pela sua capacidade de transmitir a vida interior dos seus temas. Ele procurou capturar a essência do modelo em questão com a capacidade de retratar o caráter e as emoções das pessoas que pintava.

A arte de Vincent van Gogh teve um impacto profundo nas gerações subsequentes de artistas. Embora morto, suas pinceladas carregadas de cor, emoção e vibração permanecem para sempre.

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