O menino e o campo de aveia

As coisas não estavam nada fácieis na casa do Seu Eli. O salário baixo do patriarca da família era curto demais para acompanhar os gastos que se estendiam ao longo do mês que parecia nunca acabar, tamanha a ansiedade pelo dia de pagamento que tinha que aguardar a virada do calendário.

Seu Eli trabalhava numa empresa de metalúrgica e eventualmente cultivava uma pequena lavoura para venda no mercado local. A renda era baixa e instável, pois dependia de fatores como clima, pragas e preços flutuantes dos produtos agrícolas.

Meninos costumam ser mais comilões do que as meninas e na casa do Seu Eli e da Dona Regina só tem cuecas na gaveta de roupas íntimas do quarto das crianças.

Mas, pensando bem, mesmo que fossem meninas, as entradas do mês não seriam suficientes para cobrir as despesas, que eram minimamente contadas e controladas por Dona Regina, que embora sempre atarefada com os afazeres do lar e com a educação dos seus três meninos, conseguia juntar uns trocos com seus serviços de costura.

O jeito era apelar pra sorte.

Mesmo que fosse mínima coisa, Dona Regina regularmente separava uma quantia em dinheiro para o único que poderia aliviar a miséria da família: o jogo do bicho.

Não era tão raro ela ganhar algum prêmio, mas naquele mês, houve festa na casa do Seu Eli: dona Regina ganhou o que na década de 60 correspondia ao mesmo valor do salário do marido. Imagine só: de repente, a renda da família havia dobrado sem nenhum esforço extra — uma quantia inesperada que trouxe alívio e alegria àquela casa.

No decorrer daquelas semanas de euforia, as fatias de salame não precisaram ser cortadas tão finamente. Até pelo menos o próximo salário, quando a realidade os traria de volta para a escassez e as humilhantes solicitações de comprar fiado.

José, o filho mais velho do casal, costumava ajudar o pai na lavoura. E lá estavam eles, conversando e capinando num pequeno campo de aveia que Eli havia herdado de seu pai.

Embora tivesse apenas oito anos, José carregava uma sabedoria incomum, como se o peso da vida já tivesse moldado seu olhar. Talvez fosse o nome que carregava — José, sempre associado a homens ponderados e experientes — ou talvez fossem as dificuldades que o obrigavam a crescer rápido demais.

Pensativo sobre a vantagem que teriam do fatigante trabalho que estavam realizando, José perguntou ao seu pai:

– Pai, se nós vendermos toda a produção dessa lavoura, quanto dinheiro vamos ganhar?

– Olha filho, se o tempo colaborar, se não tivermos perdas para as pragas e vendermos toda a colheita vamos ganhar uns quatrocentos reais.

Largando a enxada com fúria e indignação, José respondeu ao seu pai com uma proposta:

– O que?? Só quatrocentos reais? Pai, vamos embora! Vamos jogar no jogo do bicho!

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