A romantização da pobreza

Romantização da pobreza conexão com história da raposa e das uvas

“A favela venceu”, disse a cantora Ludmilla em 2024 no palco do Coachella, na Califórnia, Estados Unidos, numa apresentação que lhe rendeu cerca de, no mínimo, US$100.000.

O brasileiro tem a tendência de romantizar a pobreza. E não só isso. Tem a forte inclinação de condenar a riqueza. Não se trata de uma generalização absoluta – nem todo brasileiro pensa assim – mas padrões observáveis em narrativas coletivas deixam isso bem evidente. E nesta consideração estou me referindo a tal grupo de pessoas.

Considerando a primeira frase deste post, parece que temos uma incongruência, concorda? Se o brasileiro vê a pobreza como algo admirável, por que eles tanto se empenham em prol de uma vida luxuosa e de ostentação?

Por que eles dizem que “a favela venceu” do alto de sua cobertura no Alphaville ou na proa de seu iate ancorado em Fernando de Noronha?

Se a favela é um lugar tão estimável, por que eles não continuam lá?

É curioso como, para muitos brasileiros, a pobreza tem a ver com bom caráter e nobreza de coração; e a riqueza, com rigidez e frieza de espírito.

Quando uma pessoa é competente em seu trabalho, alcança estabilidade financeira e constrói um considerável patrimônio financeiro, ela é vista por muitos como um pecador, alguém que não merece respeito e consideração, um aproveitador e uma pessoa destoante na sociedade.

Para muitos, uma criança rica “não sabe o que é infância de verdade”, já ouviu isso? “Infância de verdade é brincar com os vizinhos na rua, ficar na piscina de plástico na laje e jogar futebol na cancha da comunidade”, muitos se orgulham em dizer.

A Rede Globo, por décadas, produziu tramas que romantizam a pobreza. Em novelas como “Roque Santeiro” (1985) ou “Tieta” (1989), personagens pobres são mostrados como puros de coração, contrastando com os ricos corruptos. 

Mais recentemente, “Avenida Brasil” (2012) retratou a favela como um lugar vibrante, com festas e solidariedade, minimizando questões como violência e saneamento básico.

Na era digital, memes sobre “vida simples” ou “comida de pobre que é a melhor” romantizam a escassez como virtude.

A situação da favela está bem longe desta glamourização. Influenciadores como o Mochileiro Rick mostram isso com fatos: a vivência diária de quem enfrenta a realidade da pobreza.

Esses exemplos formam um padrão cultural que, segundo o antropólogo Roberto DaMatta, reflete uma sociedade hierárquica que usa o humor e a festa para lidar com desigualdades.

Como a pobreza é vista em outras partes do mundo?

Nos países desenvolvidos, a pobreza afeta uma parcela menor da população.

Em tais localidades, há redes de segurança social, como benefícios de desemprego ou programas de saúde universal, que reduzem a necessidade de narrativas de superação. 

Isso não significa que não haja romantização – ela existe, mas de forma mais sutil e criticada.

Para muitos americanos, a pobreza é vista como resultado de falta de motivação pessoal, não como algo romântico. Na Europa não é muito diferente. Os europeus costumam associar a pobreza a uma falha na sociedade, e não a uma inspiração para músicas.

No Japão, a pobreza é rara (taxa abaixo de 1% extrema), e a cultura enfatiza o “wabi-sabi” (beleza na imperfeição), que pode levar a uma sutil romantização da simplicidade, mas não da miséria.

A favela não venceu

Se a pobreza fosse algo tão bom, por que a maioria das propostas de governo pautam o extermínio dela? Se ser pobre é algo tão louvável, por que os que têm essa condição financeira trabalham arduamente para ter mais bens materiais?

O que não é virtuoso é o materialismo, que se trata do amor exacerbado ao dinheiro, a ganância que faz alguém não medir esforços tampouco considerar bons princípios para alcançar a riqueza que deseja.

Ser rico, no entanto, não é um pecado ou uma condição vergonhosa, que precisa ser escondida.

Tanto é assim que Deus, ao abençoar Salomão que pediu sabedoria ao invés de bens materiais, lhe deu o que? Sim, riquezas. – 1 Reis 3:13

Além disso, personagens bíblicos que tinham o amor e a aprovação de Deus como Jó e Moisés eram homens prósperos materialmente.

Se o próprio Deus não vê as pessoas ricas como indivíduos condenáveis e a riqueza como um pecado, por que deveríamos nós, meros mortais imperfeitos, ter tal conceito?

Outro comportamento que percebe-se no Brasil é o de pessoas ricas transmitirem certa simplicidade de vida para serem melhor “aceitos”. Ou então, justificarem certa aquisição como se tivessem que pedir desculpas. Isso é percebido em frases como: “Hoje eu posso ter um carro assim, mas já andei muito a pé, sem dinheiro nem para o ônibus” ou “Comprei esse casaco de marca por causa de uma super promoção.”

Por que será que os ricos são condenados apenas pelo fato de serem competentes e trabalhadores e alcançarem sucesso material?

Sim, há ricos que alcançaram seu patrimônio em condições questionáveis, mas pense aqui comigo: será que não são a minoria? 

O seu patrão, o vizinho da esquina que tem uma casa bonita, o seu colega de escola que venceu na vida provavelmente alcançaram seu atual status financeiro de forma legal, concorda? 

Provavelmente eles têm em comum características como serem inteligentes, competentes no que fazem, bons trabalhadores e diligentes.

O que eles deveriam fazer ao perceberem que seus empreendimentos são prósperos e suas ideias, rentáveis? Parar de executá-las? Suprimir seu dom, viver na pobreza com orgulho de pertencer à favela?

Será que essa revolta dos pobres contra os ricos tem a ver com a história da raposa e das uvas? Aliás, já ouviu falar desta fábula?

Ela é mais ou menos assim: Certa raposa contemplava uma videira com desejo. As uvas estavam roxas, graúdas e reluzentes; e o que a raposa mais queria era deliciar-se com aqueles apetitosos cachos.

A raposa pulou para abocanhar as uvas, mas não as alcançou. Tentou pular mais alto, mas sequer tocou nos cachos. Conseguiu pular ainda mais alto! Mas nada . . . não conseguiu pegar sequer um gomo de uva.

Então, frustrada, a raposa saiu dizendo: “Eu nem queria mesmo comer essas uvas. Aliás, devem estar azedas.”

Moral da história, muitas pessoas desdenham do que não conseguem ter quando, no fundo, era exatamente o que desejavam.

Os desafortunados herdeiros

Consideramos nesta leitura “herdeiros” aqueles que são filhos de pais que conseguiram mudar drasticamente de vida a ponto de alcançar sucesso financeiro e repassar aos filhos essa condição desde cedo na vida.

A sociedade brasileira, em geral, vê os herdeiros como pessoas mais abomináveis que os criminosos que estão cumprindo pena na prisão. São mais repudiáveis que um leproso nos tempos bíblicos e tal como alguém que tinha essa doença naquela época, dignos de receber pedradas.

Será que eles merecem todo esse repúdio?

Vamos pensar em pelo menos dois pontos.

Independente da condição social, um clássico desejo dos pais, ao menos aqui no Brasil, é deixar alguma herança para os filhos a fim de garantir que eles possam ter certa estabilidade e segurança financeira quando alcançarem a vida adulta.

Tanto é assim que popularizou-se no país a expressão “puxadinho”, que é aquela extensão que os genitores fazem em suas próprias casas com o propósito de dar aos filhos o seu próprio “cantinho”.

Pais que tem um patrimônio com seis ou sete dígitos, oito, quem sabe, naturalmente tem algo além de um “puxadinho” para deixar para seus filhos. É a famosa lei matemática da proporção.

E a pergunta que fica é: que mal há nisso? Não é simplesmente algo natural que os pais que se preocupam com o futuro dos filhos fazem?

Temos também aquela invejinha (novamente aqui cabe o conto da raposa e das uvas) de pessoas que dizem “suar a camisa” enquanto os herdeiros estão lá,  usufruindo de uma vida luxuosa sem esforços.

Será que é realmente sem esforços?

Esses herdeiros geralmente são os frutos da geração baby boomers, aquela composta por pessoas que, no geral, não tinham um tostão no bolso e com muito trabalho e empenho superaram as adversidades a ponto de alguns deles construírem um império, digamos assim.

Pessoas dessa geração costumam ser enérgicas e intolerantes porque, afinal, foi o que a vida lhes forçou a se tornarem. 

A observância nos faz perceber que muitos deles criaram seus filhos com pulso firme, sem regalias. Conheço muitos herdeiros que trabalham na empresa de seus pais desde a adolescência, nas férias escolares; que vão para o exterior para se especializarem em suas áreas de atuação e estudam com diligência; e que trabalham sem turnos nem horários nas empresas que herdaram.

Quer ver um exemplo? As filhas do apresentador Silvio Santos. Sim, elas são herdeiras de um patrimônio gigantesco. Mas alguém aqui pode dizer que elas não trabalham tampouco se esforçam?

E quer saber? Supomos que um herdeiro não queria trabalhar e viva uma vida cheia de privilégios. Isso é problema meu? Isso é problema nosso? Prefiro um herdeiro preguiçoso do que um pobre portando um rifle no alto da comunidade gritando que a favela venceu.

E você, o que pensa sobre esse polêmico debate? Vou gostar de ler sua opinião aqui nos comentários.

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