Crônica de uma mochila

Uma mochila desorganizada me ajudou a organizar minha vida
Uma reflexão e uma mudança inspiradas em uma simples e mera mochila.

Eu tenho uma mochila que me acompanha em quase todas as minhas andanças. É marrom, de couro ecológico, com a outrora opção de usar a alça agora inativada, uma vez que a ferragem que a sustentava arrebentou.

Ela está esfoladinha nos quatro cantos que contornam o fecho superior, mas discretamente. Nada que a caracterize como uma bolsa surrada e desgastada. Por favor, não tenha essa impressão da minha companheira de todos os dias.

Pois bem, esta mochila tem vários compartimentos. Será que foi por isso que escolhi ela? Não lembro.

Mas quando eu digo vários, são vários mesmo.

Do lado de fora são dois fechos na frente, dois bolsos laterais e um fecho na parte traseira.

Abrindo a Dona Mochila encontramos, de um lado, dois bolsões; e do outro, como se não fosse o bastante, outros dois bolsos, esses protegidos com fechos.

Pois é, meu amigo, minha amiga . . . é quase possível morar dentro dessa mochila tamanho espaço que ela armazena.

Mas o que poderia ser uma bênção se transformou numa maldição, com a permissão do uso da hipérbole.

Sabe por quê?

Porque eu estava perdida dentro do fantástico mundo da mochila.

Uma ida ao mercado vestindo ela vai exemplificar o que quero transmitir.

Estava eu no mercado, com a mochila nas costas, passando as compras no caixa de autoatendimento. Todos os produtos escaneados, chega o momento de realizar o pagamento.

“Cartão de crédito ou PIX”, a máquina apresenta as alternativas.

“Cartão de crédito”, seleciono eu.

Ok, cartão de crédito. Onde eu deixei o meu cartão de crédito? 

Vasculho dentro do interior daquela vasta mochila, inspecionando cada um dos diversos compartimentos. 

“Cadê esse maldito cartão?” Ufa, encontrei. Estava no bolso traseiro da calça! “Suelen, sua irresponsável! Onde já se viu deixar o cartão no bolso da calça?!”, me autorepreendo.

Pronto! Pagamento realizado com sucesso.

Hora de validar o ticket do estacionamento. “Ai meu Deus, cadê o ticket?” 

Volto a fazer a tão indesejada visita aos compartimentos da bolsa. Nunca está no primeiro, nem no segundo. Sempre tem que ter uma emoção. “Ok, aqui está”, e valido o ticket do estacionamento.

A máquina me presenteia com a nota fiscal da compra, coloco todos os itens que cabem dentro da mochila e aloco os demais dentro de uma ou duas sacolas.

Agora é só passar o código QR da nota fiscal no leitor e sair do terminal de autoatendimento. “Suelen, onde tu colocou a nota fiscal? Tu estava com ela na mão agorinha.” E lá vou eu consultar novamente a mochila. Encontro a bendita nota fiscal e passo ela pelo leitor na força do ódio.

Quando chego no carro, é óbvio que uma nova saga inicia-se em busca da chave. E é também óbvio que não encontro o ticket do estacionamento de imediato.

Saio de lá morrendo de raiva de mim mesma – da minha desorganização, da minha enrolação, do quão desligada e desatenta por vezes eu sou.

Isso foi numa quinta-feira.

Quando eu cheguei em casa, enquanto guardava minhas coisas, lembrei duma frase que comentei com um colega de empresa há poucos dias atrás quando abri uma gaveta dele que, para ser simpática, classificarei como caótica:

“Fulano, sabia que o estado da nossa gaveta reflete o estado da nossa mente?”

De imediato pensei:

“Suelen, esta mochila é a representação de como está tua vida: perdida e desorganizada”.

Eu sou aquele tipo de pessoa que está sempre atrasada para os compromissos. Sabe aquela cena clássica que você provavelmente já viu em algum filme de uma mulher correndo atrás do ônibus que acabou de partir enquanto segura um copo de café numa mão e, com a outra, termina de vestir o calçado? Pois é, eu sou esse tipo de pessoa, especialmente pela manhã.

Fico me enrolando pra acordar, acionando diversas sonecas e depois, quando não tenho escapatória senão levantar, faço tudo aos trampos e barrancos.

E nisso, acabo executando somente o essencial. Aqueles temperinhos que tornam a vida mais saborosa ficam de fora. Termino por desfrutar de uma insossa comida temperada apenas com sal. E eu amo temperos.

Isso sempre me deixou desanimada, um tanto quanto deprimida, com uma sensação de fracasso.

Mas eu não poderia ignorar o chamado pra vida que recebi da minha mochila. Quem disse que sexta-feira não é um bom dia para dar uma reviravolta na vida?

Exatamente. Minhas transformações começaram numa sexta-feira.

Primeira coisa, nada de apertar no soneca. Ok . . . só uma vez porque quase sempre acordo no susto e preciso processar que é hora de levantar.

Espera. Volta a fita.

O meu dia inicia, na verdade, na noite anterior.

Faço uma realista e singela lista de coisas que tenho que fazer no dia seguinte, sem achar que meu dia tem oitenta e seis horas. Simples e básica, assim que minha lista é.

Tem coisas que para mim são essenciais e que eu estava ou desconsiderando ou fazendo com pouquíssima qualidade. Estas coisas são orar e ler a Bíblia. Entendi que, para mim, fica muito apertado ler a Bíblia pela manhã, então deixo para à noitinha. Mas a oração não. Então vou te explicar o que eu fiz. Mas antes tenho que te contar duas coisas sobre mim.

Eu tenho uma forma de funcionamento um tanto quanto sinestésica. Sabe o que é isso? Eu consigo me concentrar melhor numa coisa se estou fazendo outra.

Se eu fico quietinha, sentada fazendo minha oração, me desconcentro. Mas se eu a faço enquanto estou realizando atividades mecânicas, então a coisa flui.

Para me concentrar melhor, preciso de um pequeno esboço com palavras-chave do que quero agradecer e pedir. Então, desde aquela quinta-feira, todas as noites tenho providenciado isso. Comprei uma mini impressora que me ajuda nesta causa.

Ainda na noite anterior, deixo tudo prontinho para o meu café da manhã, que para mim é essencial. Mesmo morando sozinha, faço questão de ajeitar a mesa de uma forma bem aconchegante. Deixo até mesmo a quantidade de café, adoçante e adendos dentro da xícara. De manhã, é só ferver a água ou o leite e bater tudo com o mixer. Parece simples, mas isso agiliza muito minha rotina.

A bolsa do trabalho também fica arrumada no dia anterior. Agora as chaves tem um lugar específico na mochila. Assim como ocorre com o celular, os documentos e os cartões. Tenho agora um estojo onde vão as miudezas que anteriormente ficavam perdidas dentro da bolsa.

A garrafa de água é outra coisa que deixo pronta na noite anterior. Às vezes deixava de tomar água durante um turno inteiro simplesmente por não ter tido tempo de encher a garrafa.

Nos finais de semana, estou me esforçando para não dormir tanto à tarde uma vez que aquela realista e singela lista fica me chamando e me lembrando que eu vou me sentir melhor quando riscar as pendências.

Desde que minha mochila me incitou à essa reflexão, me sinto mais responsável e até mais adulta, no auge dos meus trinta e cinco anos de idade.

Acredito que para aqueles que sabem que podem ter momentos mais agradáveis, dias mais produtivos e uma auto estima mais sólida e realmente querem alcançar isso mas, no momento, encontram dificuldades, a vida se responsabiliza de dar uma forçinha. Isso vem no tempo devido, quando estamos preparados para perceber. E quando estivermos prontos para isso, a mudança pode ser incitada por coisas inimagináveis, como uma mochila.

Gostou deste artigo? Então compartilha com alguém!

Uma resposta

  1. Que legal!!!

    Que engraçada a história! 🤣🤣🤣

    Só percebi uma coisa: pena que a parte de dormir menos não tá funcionando muito bem 🤣🤣🤣
    Mas tu ainda tem tempo 🫰🏻✨

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Siga-me nas Redes

Mais Lidos

Categorias

Você também vai gostar disso:

O mito do filtro solar
Curiosidades

O mito do filtro solar

E se eu te der motivos sólidos para te fazer repensar na arbitrária necessidade de passar filtro solar todos os dias?