Você provavelmente conhece a arte acima, estou certa?
Trata-se de uma pintura famosa intitulada “O Grito” (título original: Skrik), criada por Edvard Munch, proeminente artista norueguês nascido em 12 de dezembro de 1863 e conhecido por suas contribuições significativas para o movimento do expressionismo.
O que você talvez não sabia é que Edvard Munch sofria de síndrome do pânico.
Foi, inclusive, um surto psicótico que deu origem a esta brilhante obra.
Observar cuidadosamente O Grito causa muita identidade para quem sofre com este transtorno e permite a quem nunca passou por esta experiência ter uma noção do desespero que tal desordem mental desencadeia.
Quais os sentimentos que Munch quis expressar com suas obras?
Como ter uma ideia de qual é a sensação vivenciada por alguém que tem síndrome do pânico?
Os parágrafos a seguir irão elucidar até mesmo questões que você ainda nem se fez sobre o tópico. Acompanhe-me.
O que desencadeou a síndrome do pânico em Edvard Munch?
Edvard Munch nasceu em uma família de classe média que sofria de problemas de saúde. Sua mãe morreu quando ele tinha cinco anos e sua irmã mais velha, quando ele tinha 14, ambas de tuberculose. Inclusive a obra-prima The Sick Child (1885-1886) capta este último evento em sua vida.
O pai e o irmão de Munch também morreram quando ele ainda era jovem. E sua outra irmã desenvolveu uma doença mental, provavelmente esquizofrenia. “Doença, loucura e morte”, como ele disse, “foram os anjos negros que vigiaram meu berço e me acompanharam durante toda a minha vida”.
Munch mostrou talento para desenhar desde cedo, mas recebeu pouco treinamento formal. Um fator importante no seu desenvolvimento artístico foi o Kristiania Bohème, um círculo de escritores e artistas em Kristiania, como Oslo era então chamada. Um dos pintores mais antigos do círculo, Christian Krohg, deu a Munch instruções e incentivo.
O estilo profundamente original de Munch, com o uso fluido e tortuoso da linha em suas pinturas, cristalizou-se por volta de 1892.
Munch viveu principalmente em Berlim em 1892 a 1895 e depois em Paris em 1896 a 1897, e continuou a se movimentar bastante até se estabelecer na Noruega em 1910.
Munch mantinha um diário de alucinações visuais e auditivas. Foram estes registros que culminaram em seu diagnóstico de transtorno bipolar com psicose. Tal comportamento maníaco perturbado até mesmo resultou num tiro em duas articulações do dedo anelar da mão esquerda do artista. Em 1908, ele foi hospitalizado numa clínica psiquiátrica devido a uma intensificação de alucinações auditivas, depressão e impulsos suicidas. Ele também sofria de crises de alcoolismo.
Em seu diário, Munch registrou, em 1981, os pensamentos que culminaram em sua famosa arte “O Grito” da seguinte forma: “Eu estava caminhando pela estrada com dois de meus amigos. Então o sol se pôs. O céu de repente se transformou em sangue e senti algo semelhante a um toque de melancolia. Fiquei parado, encostado na grade, morto de cansaço. Acima do fiorde azul-escuro e da cidade pendiam nuvens de sangue gotejante e ondulante. Meus amigos continuaram e novamente eu me levantei, assustado com uma ferida aberta no peito. Um grande grito perfurou a natureza.” (Heller RH: Edvard Munch: The Scream. Nova York, Viking Press, 1972, p. 109)
Em 1984 Munch deu à luz ao que viria ser outra de suas célebres obras, “Ansiedade”.
Comentando sobre as duas obras, a escritora Sophia S.B. destaca: “A principal diferença que noto entre Ansiedade e O Grito é que em Ansiedade é difícil discernir exatamente o que está errado. O Grito é muito claro: Munch o pintou depois de experimentar um ataque de pânico como resultado de sua forte ansiedade, e certamente capturou o sentimento de dissociação e medo que acompanham os ataques de pânico.”
Sophia relata algumas sutilezas dessas duas artes que revelam detalhes sensíveis sobre a angústia da ansiedade e o desespero de uma crise de pânico.
Em Ansiedade claramente há algo estranho na pintura. As pessoas nela representadas não parecem ser humanas e as suas expressões transmitem uma sensação de desconforto e desconfiança, sentimentos comuns quando se apresentam sintomas de ansiedade. Dar aos quase-humanos características indiscerníveis – como braços transformados ou características faciais confusas – aumenta a sensação de que algo está profundamente errado, mas de uma forma superficial, como se você fosse o único que pudesse ver.
O Grito, por outro lado, transmite um sentimento desesperador. Vemos uma figura solitária liberando seu horror para o mundo retratando a ansiedade e o medo que desencadeiam do fato de não se ter ninguém por perto.
Munch pintou O Grito como um grito no vazio, uma tentativa existencial de capturar a solidão.
O sentimento de ansiedade em si não é tão forte como muitos ataques de pânico. É assustador, confuso e faz você se sentir um impostor. Muitas pessoas com ansiedade têm dificuldade em distinguir quais emoções são causadas pela ansiedade e quais não são. A Ansiedade de Munch imita isso: há claramente algo errado com a pintura, mas é difícil determinar o que exatamente é tão desconcertante.
Ansiedade é a maneira de Munch pegar O Grito e espalhá-lo para várias pessoas. O efeito não é tão grande: nenhuma das pessoas está gritando e nenhuma delas parece existencialmente horrorizada. Em vez disso, a ansiedade entre o grupo assume o papel de uma doença invisível: ela se espalha de pessoa para pessoa, eventualmente tomando conta do espectador, mesmo que apenas por alguns momentos.
O lado negro da criatividade
“Meu medo da vida é necessário para mim, assim como minha doença. Eles são indistinguíveis de mim, e sua destruição destruiria minha arte.”
Estas palavras constam no diário do famoso pintor sobre quem estamos conversando. Edvard Munch pode ser um dos artistas de maior destaque a caminhar na linha entre o talento extremo e o tormento, mas ele não é o único.
Vincent van Gogh, que cortou a orelha após uma discussão com seu amigo Paul Gauguin, e mais tarde se matou, oscilava fortemente entre a genialidade e a loucura.
“Não consigo descrever exatamente o que está acontecendo comigo. De vez em quando ocorrem ataques horríveis de ansiedade, aparentemente sem causa.” – Vicente van Gogh
Estudos descobriram que pessoas criativas apresentam um número incomumente alto de transtornos de humor. Charles Dickens, Tennessee Williams e Eugene O’Neill pareciam sofrer de depressão clínica, por exemplo.
Utilizando um registo de pacientes psiquiátricos, rastrearam quase 1,2 milhões de suecos e seus familiares que apresentavam condições psiquiátricas desde esquizofrenia e depressão até TDAH e síndromes de ansiedade.
Foi constatado que as pessoas que trabalham em áreas onde se explora amplamente a criatividade, incluindo dançarinos, fotógrafos e autores, tinham 8% mais probabilidade de viver com transtorno bipolar. Os escritores tinham uma chance surpreendentemente 121% maior de sofrer da doença e quase 50% mais possibilidade de cometer suicídio do que a população em geral.
Também foi revelado que as pessoas em profissões criativas eram mais propensas a ter parentes com esquizofrenia, transtorno bipolar, anorexia e autismo.
Keri Szaboles, psiquiatra da Universidade Semmelweis, na Hungria, estudou o papel que os genes podem desempenhar de forma mais direta.
Szaboles submeteu 128 participantes a um teste de criatividade seguido de um exame de sangue. Ele descobriu que aqueles que demonstravam maior criatividade carregavam um gene associado a transtornos mentais graves.
Acredita-se que um dos maiores artistas de todos os tempos, Michelangelo Buonarroti, sofria de transtorno obsessivo-compulsivo. Seus afrescos e esculturas são magistrais em seus detalhes requintados, e ele tinha a reputação de se isolar do mundo por dias seguidos para criar.
Dito de forma mais simples, os resultados sugerem que pessoas criativas e aqueles com altos níveis de esquizotipia absorvem mais informações e são menos capazes de ignorar detalhes estranhos. Seu cérebro não lhes permite filtrar.
Scott Barry Kaufman, psicólogo americano e escritor da Scientific American, resumiu os resultados desta forma. “Parece que a chave para a cognição criativa é abrir as comportas e deixar entrar o máximo de informação possível. Porque nunca se sabe: às vezes as associações mais bizarras podem se transformar nas ideias criativas mais produtivas.”
É evidente que algumas pessoas sofrem pela sua arte, e é evidente que alguma arte resulta do sofrimento. Mas também é evidente que nem todos as pessoas criativas correm o risco de ter ou desenvolver doenças mentais.
Como é, exatamente, sentir uma crise de pânico?
Está cada vez mais comum ouvirmos pessoas de nosso convívio bem como pessoas públicas contando que tem síndrome do pânico.
A crise de pânico é caracterizada principalmente pelo medo da morte iminente.
Muitas vítimas desta condição registram sentir:
- palpitação;
- dores de cabeça;
- vertigem.
- problemas de respiração;
- indigestão;
- estresse; e
- falta de sono.
Infelizmente há uma grande parcela de pessoas que demoram a ser diagnosticadas com síndrome do pânico e, desta forma, continuam por longo tempo sofrendo com este distúrbio de ansiedade até chegarem no diagnóstico e tratamento corretos.
O maior medo citado pelos pacientes diagnosticados não é o que sentirão quando estiverem no meio de uma crise, mas sim o momento em que sentem que a crise está chegando. O medo é ter a crise de pânico.
Também temem situações em que ninguém estará perto para ajudar ou cuidar deles. Por isso cinemas e aviões causam mais crises.
Tal como expresso na arte de Edvard Munch, o sentimento é de horror. Eles sentem que podem morrer no ato.
Naturalmente, isso gera um conflito entre eles e o mundo, porque por mais que eles tentem explicar, quem não tem o transtorno não entende o terror.
O exercício a seguir tenta ilustrar o medo de quem sofre de síndrome do pânico. Faça dupla com alguém para realizá-lo.
Coloque um canudinho na boca e use suas mãos para fechar as narinas, obstruindo a passagem de ar por este meio. Enquanto isso, sua dupla vai tapar bem os seus ouvidos.
Respire bem fundo e depois expire. Repita isso por sessenta segundos.
O que você sentiu?
Crises de pânico causam um desespero parecido com esse.
Entender como se sente quem é atribulado por esta desordem mental seja através das profundas linhas perturbadoras de uma arte, seja através de um simples exercício usando um canudinho nos ajuda a ser mais pacientes e compassivos com quem sofre deste indesejado transtorno de ansiedade que é a síndrome do pânico.
Uma resposta
Excelente narração. Me identifiquei com cada aspecto abordado.