Uma opinião (bem) pouco convencional sobre Sócrates

Vida e personalidade de Socrates da Grécia Antiga
Sócrates, o famoso filósofo grego, é aclamado no mundo inteiro por suas ideias e contemplações. Sua vida e personalidade fazem jus a isso?

Você tem reparado que, de uns anos pra cá, ou tem sido dado mais ênfase ou então tem sido mais manifestada, uma apologia a um modo de vida alicerçado nas antigas filosofias gregas como fórmula para alcançar mais virtudes e a tão desejada felicidade?

Eu venho percebendo isso bem intensamente.

Inclusive há bastante menção por parte de figuras públicas aos escritos do imperador romano Marco Aurélio como a chave para a sabedoria, e à filosofias como o estoicismo como a melhor forma de se levar a vida.

Sócrates, Platão e Aristóteles parece que voltaram à cena. Não que eles tivessem saído, eu sei. Mas a impressão é que vem sendo dada uma importância e uma credibilidade mais acentuada aos registros e pensamentos destes famosos filósofos gregos.

Por que será que isso está acontecendo?

Na minha humilde opinião, a decadência dos valores morais e espirituais da sociedade humana como um todo vem horrorizando a boa porção dos cidadãos portadores de convicções éticas e caráter honroso. Como resultado, muitos vem resgatando princípios históricos a fim de conduzir a si mesmos e suas progênies a um caminho de retidão.

Mas será que essas bem intencionadas pessoas estão bebendo de uma fonte confiável?

O que você realmente sabe sobre estas antigas filosofias gregas?

Nesta dissertação vou te revelar algumas coisas interessantes sobre o aclamado filósofo grego Sócrates.

Quem foi Sócrates

Os filósofos da antiga Grécia são categorizados em três grupos: os pré-socráticos, os socráticos e os pós-socráticos.

Sócrates. Quem foi Sócrates, que marcou as eras da filosofia a ponto de serem classificadas com seu próprio nome?

De acordo com a Enciclopédia Britânica, Sócrates nasceu em 470 AEC, em Atenas, na Grécia.

Sócrates era uma figura amplamente reconhecida e controversa em sua cidade natal, Atenas, tanto que era frequentemente era ridicularizado nas peças de dramaturgos cômicos.

Embora o próprio Sócrates não tenha escrito nada – tudo o que conhecemos sobre Sócrates está especialmente nos registros de seu aluno, Platão – ele é retratado conversando num pequeno círculo com seus admiradores, dentre os primeiros deles, Platão e Xenofonte. 

Obras famosas de Platão fazem menção de suas conversas com Sócrates. Mas existe a possibilidade, é claro, de Platão ter moldado este material de acordo com suas ideias e interpretações ao invés de transcrever, palavra por palavra, os discursos de se seu professor.

Historiadores supõem que Sócrates era um homem de grande perspicácia, integridade, autodomínio e habilidade argumentativa, cujo empenho praticamente integral da sua vida era entender como tornar-se um bom ser humano ou tão então bom quanto possível fosse.

No seu discurso de julgamento, Sócrates declarou que a sabedoria humana começa com o reconhecimento da própria ignorância e que uma vida não examinada não vale a pena ser vivida.

Além disso, mencionou que a virtude ética é a única coisa que importa e que um bom ser humano não pode ser prejudicado, porque independente do infortúnio que ele sofra – pobreza, doenças e até a morte – a sua virtude permanecerá intacta.

Logo após a morte de Sócrates (ele foi condenado à uma morte por envenenamento aos 70 anos de idade), vários membros do seu círculo preservaram e elogiaram sua memória escrevendo obras que o representam na sua atividade mais característica – a conversação.

Sócrates aparece como um personagem que constantemente proferia perguntas aos seus ouvintes na esperança de adquirir mais sabedoria no tópico em questão. Ele era extremamente hábil em descobrir contradições em crenças utilizando este método de pesquisa e em extrair elucidações nas equivocadas respostas de seus interlocutores.

Assim nasceu o que hoje conhecemos e nomeamos como “método socrático”, que trata-se de uma estratégia de aprendizado que consiste no interrogatório dos alunos pelo professor. 

No entanto, o método utilizado por Sócrates nas conversas registradas por Platão segue um padrão mais específico: Sócrates descreve-se não como um professor, mas como um investigador ignorante, e a série de perguntas que ele faz são elaboradas com o intuito de mostrar que o interlocutor não tem uma resposta adequada.

Na sequência, provavelmente Sócrates conduzia seus ouvintes a uma série de perguntas suplementares que os levavam, por vezes, a corrigir a primeira resposta que deram uma vez que entrava em conflito com as réplicas que proferiam na sequência da conversa. A estratégia era mostrar que o interlocutor tinha uma fraca compreensão dos conceitos em discussão.

Eutífron, por exemplo, no diálogo que leva seu nome, aparentemente foi questionado sobre o que é a piedade, ao que responde: “é tudo o que é querido aos deuses”. Sócrates continua a sondar e a troca de ideias possivelmente é o que segue abaixo:

Sócrates: A piedade e a impiedade são opostas? 

Eutífron: Sim. 

Sócrates: Então as mesmas ações são amadas por alguns deuses e odiados por outros?

Eutífron: Sim. 

Sócrates: Então essas mesmas ações são piedosas e ímpias?

Na conclusão das conversas, geralmente a “ignorância” de Sócrates era revelada como uma espécie de sabedoria, enquanto os interlocutores eram implicitamente criticados por não reconhecerem a sua ignorância.

Vida e personalidade de Sócrates

Embora as fontes forneçam apenas uma pequena quantidade de informação sobre a vida e a personalidade de Sócrates, sabemos os nomes e profissões de seus genitores: Sofroniscus, seu pai, era provavelmente um pedreiro; e sua mãe, Phaenarete, uma parteira.

No Teeteto de Platão, Sócrates compara sua maneira de filosofar à ocupação de sua mãe: ele próprio não está grávido de ideias, mas sim ajudava os outros na transmissão de suas ideias, embora muitas vezes fossem natimortas.

Registros contam que Sócrates casou-se com Xanthippe e teve três filhos.

Com nariz arrebitado e olhos esbugalhados, Sócrates não era atraente para os padrões convencionais. Serviu como hoplita (um soldado fortemente armado) no exército ateniense e lutou em várias batalhas importantes. 

Sócrates não nasceu em família rica tampouco acumulou fortunas no decorrer de sua vida, mas ele tinha muitos admiradores de boa condição financeira e politicamente proeminentes.

A expressão de amor entre pessoas do mesmo sexo não era incomum em Atenas naquela época, e Sócrates sentia-se fisicamente atraído por belos rapazes. Este aspecto da sua personalidade é transmitido de forma mais vívida nas páginas iniciais de Cármides e no discurso do jovem e ambicioso general Alcibíades no final do Banquete ou Simpósio, de Xenofonte. 

Os longos ataques de abstração de Sócrates, sua coragem na batalha, sua resistência à fome e ao frio, sua capacidade de consumir vinho sem embriaguez aparente e seu extraordinário autocontrole na presença de atrações sensuais são descritos na abertura e páginas finais do Simpósio.

O julgamento de Sócrates em 399 AEC ocorreu logo após a derrota de Atenas nas mãos de Esparta na Guerra do Peloponeso (431-404 AEC). Esparta e Atenas não eram apenas rivais militares durante esses anos, mas também tinham formas de governo radicalmente diferentes. 

Atenas era uma democracia, ou seja, todos os cidadãos adultos do sexo masculino eram membros da Assembleia, muitos dos cargos da cidade eram preenchidos por sorteio, e os atenienses tinham um elevado grau de liberdade para viver e falar como quisessem, desde que obedecessem à lei e não prejudicassem a a democracia e o bem público. 

Esparta, ao contrário, era um regime misto baseado num complexo acordo de partilha de poder entre vários grupos de elite e cidadãos comuns, e exercia muito mais controle do que Atenas sobre a educação e a vida quotidiana dos seus cidadãos.

Havia em Atenas, especialmente entre os bem-nascidos, os ricos e os jovens, um certo grau de admiração por certos aspectos da vida e do governo espartanos. Esses jovens, que passavam grande parte do tempo nos ginásios públicos, orgulhavam-se de sua resistência, praticavam uma certa simplicidade de estilo e deixavam os cabelos crescerem – tudo imitando os costumes espartanos. Como confirmam Platão e Xenofonte, o próprio Sócrates partilhava algumas destas características. Em Pássaros, de Aristófanes, diz-se que os jovens que expressam a sua admiração por Esparta são “socratizantes”.

Atenas – um império com vastos recursos e uma grande população – não conseguiu derrotar a menor e mais pobre Esparta; e, no final, foram obrigados a adotar o sistema político e modo de vida espartanos.

Sócrates foi acusado de não reconhecer os deuses da cidade, introduzir novas divindades e corromper a moral dos jovens de Atenas.

A Morte de Sócrates, por Jacques Louis David, 1787, via The Metropolitan Museum of Art
A Morte de Sócrates, por Jacques Louis David, 1787, via The Metropolitan Museum of Art

De acordo com Apologia, de Platão, a votação para condenar Sócrates foi muito apertada: se 30 dos que votaram pela condenação tivessem votado de forma diferente, ele teria sido absolvido.

A condenação de Sócrates em 399 AEC, conforme relatada por Platão em Fédon, foi morte por envenenamento com cicuta.

“O médico envenenador instrui Sócrates a caminhar até sentir dificuldade. Esta era uma prática comum usada para acelerar a viagem do veneno até o coração. Quando o veneno começa a fazer efeito, entorpecendo seus pés e pernas, Sócrates deita-se na sala próxima. O amortecimento de seu corpo, subindo a partir de seus pés, traz sua morte. Após seu último suspiro, o médico envenenador fecha os olhos” – Fédon 58a-118d

Sócrates sem romantização

Uma característica proeminente da personalidade de Sócrates era, segundo o termo grego, sua eirôneia. Embora este seja o termo do qual deriva a palavra ironia, há uma diferença entre os dois. 

Falar ironicamente é usar palavras para significar o oposto do que normalmente transmitem, sem necessariamente visar o engano, pois quem usa essa forma de falar espera que o ouvinte reconheça esta inversão.

Em contraste, para os antigos gregos, eirôneia significava “dissimular” – um usuário de eirôneia estava tentando esconder algo. 

Alcibíades, um político ateniense, aparece em Simpósio acusando Sócrates de “passar a vida inteira ocupado com a eirôneia e brincando com as pessoas” e compara-o a uma estatueta esculpida cuja casca exterior esconde o seu conteúdo interior. O cerne da acusação de Alcibíades é que Sócrates fingia preocupar-se com as pessoas e oferecer-lhes vantagens, mas retinha o que sabia porque era cheio de desdém.

A representação de Sócrates por Platão como um “ironista” mostra como uma conversa com ele poderia facilmente levar a um impasse frustrante e como a possibilidade de ressentimento estava sempre presente.

Sócrates afirmava que a virtude era o único bem. Para ele e seus discípulos, a busca de prazeres não era simplesmente uma distração, mas uma forma de maldade. Sendo assim, eram vistos como pessoas extremamente anti-sociais, mau-humorados e arrogantes, que desdenhavam de seus semelhantes; comportamento que os classificou como cínicos.

Apesar de ser elogiável não buscar um estilo de vida materialista e voltado aos prazeres, os cínicos eram extremistas. Eles viviam como pedintes, não tinham tempo para relacionamentos humanos e recusavam-se a cumprir seus deveres civis.

Isso fica claro ao analisarmos a vida do filósofo Diógenes, o mais famoso dos cínicos. Sócrates mantinha um estilo de vida simples, mas Diógenes era austero. Conta-se que para demonstrar sua rejeição pelos confortos materiais, Diógenes morou por um curto período em um tonel.

Talvez devido à influência do método de argumentação socrático, Diógenes tornou-se muito desrespeitoso. Ele era conhecido por seu sarcasmo mordaz. 

Relata-se um episódio quando Diógenes estava andando por Atenas com uma lamparina, em plena luz do dia, procurando uma pessoa virtuosa.

Alexandre, o Grande, certa vez perguntou o que Diógenes mais desejava. Ele disse que simplesmente gostaria que Alexandre desse um passo para o lado a fim de não bloquear a luz do sol. Esse episódio é aclamado por muitos mas, a meu ver, denota prepotência e falta de educação.

Os cínicos granjearam a reputação de ser “semelhantes a cães”, mas Diógenes era apelidado de O Cão. Ele morreu aos 90 anos de idade e, em seu túmulo, foi erigido um monumento de mármore na forma de um cachorro.

Conforme mencionado no início da leitura, Sócrates defendia a ideia de que a verdadeira felicidade resulta de uma vida devotada à busca da virtude.

Dicionários definem “virtude” como “excelência moral, retidão, integridade de caráter.” O lexicógrafo Marvin R. Vincent diz que o sentido original, clássico, da palavra grega traduzida “virtude” denota “todo tipo de excelência”.

Sendo assim, qualidades como prudência, coragem, autodisciplina, imparcialidade, compaixão, perseverança, honestidade, humildade e lealdade são aclamadas como virtudes.

Sim, pode ser que Sócrates buscava a virtude, mas talvez não tenha a encontrado plenamente. Obviamente ele tinha uma capacidade argumentativa e traços de caráter admiráveis. Uma pessoa virtuosa é humilde e motiva os que estão a sua volta a também serem assim. Sócrates não parece ter entendido muito bem a abrangência da virtude.

Sócrates é digno da reverência que recebe? Pode ser que para muito sim, e respeito isso. Para mim, Sócrates foi um homem inteligente que morou em Atenas e influenciou muitos de sua época a adotar um senso crítico e questionador apropriados para construírem suas opiniões próprias ao invés de simplesmente seguirem a ideia da multidão. Mas que ele merece uma estátua eternizada em praça pública, isso não.

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