Já faço terapia há alguns anos e entender como funciono e porque funciono de tal maneira me fez perceber quão abrangentes e reais são as conhecidas palavras divinamente inspiradas: “conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”
O conhecimento é deveras libertador. Muitas situações levantadas em terapia não são oficialmente resolvidas. Contudo, o simples fato de compreender porque elas acontecem traz uma paz e uma resignação que são tudo o que preciso pra seguir em frente me sentindo mais leve. Bem mais leve.
A linha de abordagem aplicada por minha psicóloga é a cognitivo comportamental e, sobretudo, a terapia sistêmica. Já ouviu falar dela?
O que é a terapia sistêmica
A terapia sistêmica é uma forma de psicoterapia que foca em como relacionamentos pessoais, padrões de comportamento e escolhas que fizemos na vida estão interconectados com questões e situações vividas na infância.
Entende-se que a forma como nossa criança, digamos assim, interpretou acontecimentos ocorridos especialmente em nossos primeiros sete anos de vida é a grande responsável por algumas dores que temos agora adultos.
E além dessas dores, o nosso modo infantil é também a razão de perpetuarmos – inconscientemente – certas tendências comportamentais ou atitudes recorrentes.
Esta forma terapêutica de entender grandes questões pessoais abre brecha para alguma reflexões, a saber . . .
Reflexões sobre o verdadeiro eu
Afinal, como sua personalidade foi moldada? O que define o seu verdadeiro eu?
Muitas influências externas impactam nisso.
Em nossos primeiros anos formativos, a maioria de nós teve muita pouca interferência na construção de nossos próprios hábitos e modos de agir.
Ademias, não podemos ignorar a questão genética. Quanto de nosso comportamento é influenciado pelos genes?
Parece que ainda é difícil provar que exista qualquer elo definitivo entre os genes e a personalidade. No entanto, existem alguns enfoques que parecem ter mérito. Por exemplo, alguns por herança genética são mais introvertidos, enquanto outros são por natureza mais extrovertidos.
Algo que a terapia sistêmica aborda com frequência é que uma gestante pode, por ações, pensamentos e sentimentos, trazer benefícios ou malefícios ao seu bebê por nascer.
Quando você estava no útero da sua mãe, quanta paz ou irritação te foi imposta? Que sentimentos foram gerados pelo tom de voz de seus pais ou quem sabe pelas músicas que eles costumavam ouvir? Quanta influência tiveram os alimentos ingeridos por sua mãe? Caso ela tenha feito uso de bebidas alcoólicas ou drogas, como isso te impactou?
Sim, quando nascemos já viemos carregando uma bagagem a nós imposta, sem a possibilidade de rejeitar ou alterar.
Na vida pós-útero, o comportamento de nossos pais – gostos e aversões, preconceitos e opiniões – com os quais convivemos desde a infância, certamente exerceram efeito sobre nós e, até certo ponto, modelaram nossa personalidade.
Como resultado, muitas formas de agirmos e conceitos sobre a vida podem ser simples reflexo dos deles. Você tende a ficar aborrecido com as coisas que os aborrecia e tem inclinação para tolerar coisas que eles toleravam.
E você raramente nota que está imitando o comportamento deles, até que alguém lhe diz: “você está igualzinha a sua mãe” ou “você tem o mesmo jeito do seu pai”.
Além dos pais, nossa vizinhança, o ambiente escolar, amigos e colegas, acontecimentos marcantes e/ou traumáticos também podem ter deixado uma cicatriz em nossa personalidade.
Diante disso tudo, sabe o que muitas vezes fico pensando? “Quem é realmente a Suelen? Se por alguma circunstância meus “traumas” fossem apagados e os entendimentos equivocados que eu, enquanto criança, fiz das situações que vivi fossem elucidados ou plenamente resolvidos, o quanto da atual Suelen sobraria? Que pessoa eu seria? O que é meu de fato e o que, de certa forma, me foi imposto?”
Sim, entendo que a “Suelen” é o resultado de tudo isso que acima mencionei.
Mas pense num cenário em que tudo isso pudesse ser curado. Que tipo de pessoa a Suelen ou você seria? Seria algo bem distante da versão atual? Afinal, quanto culpa ou mérito temos acerca da pessoa que nos tornamos?
Eu desconheço a resposta. Você sabe?
Reflexões sobre relacionamentos
O que faz um homem e uma mulher se atraírem?
A aborgagem sistêmica do comportamento humano responde isso com lógica e clareza. Algumas lentes inter-relacionadas que nos levam a nos atraírmos por determinado tipo de pessoa são as seguintes:
Complementaridade
Muitas vezes, as pessoas são atraídas por quem complementa sua personalidade e necessidades emocionais.
Vou explicar com um exemplo:
Certa pessoa pessoa possui um comportamento extremamente controlador. Uma outra, tem temperamento submisso. Essa complementaridade pode gerar atração, porque o controlador procura alguém sob quem possa exercer domínio enquanto a pessoa de caráter submisso inconscientemente procura alguém a quem possa se sujeitar.
Estes padrões podem ter sido estabelecidos devido modelos familiares, que é outra forte razão que pode promover a atração entre duas pessoas.
Modelos familiares
As pessoas podem ser atraídas por características que inconscientemente associam a figuras parentais ou a padrões familiares, buscando replicar ou corrigir experiências passadas.
Como assim, exatamente?
Um homem que cresceu em um ambiente onde o conflito era resolvido com agressividade pode se sentir atraído por um relacionamento onde o drama e as brigas são comuns. Ele pode ver isso como normal, uma vez que esse funcionamento replica um padrão familiar disfuncional que ele testemunhou na infância.
Para mim, a terapia apenas firmou uma reflexão sobre a qual eu já havia rascunhado em minha mente. Inclusive, tenho certeza que você conhece casais em que é possível perceber isso nitidamente.
Eu vou dar um exemplo que é público.
Você conhece a história pré-fama de Judy Garland, a Dorothy de O Mágico de Oz? Vou te contar brevemente alguns detalhes que cabem na temática de hoje.
O pai desta famosa atriz era bissexual. Durante a infância, Judy era testemunha de que seu pai traía sua mãe com diferentes homens.
O tempo passou, Judy tornou-se adulta e se casou. E adivinhe só: seu marido a traía com outros homens, tal como seu pai fazia com sua mãe.
E não para por aí.
Garland casou-se novamente algumas outras vezes e eis que outro marido seu a traía com homens também!
Pare pra pensar comigo: qual a probabilidade de uma mulher ser traída recorridas vezes nesta mesma circunstância – com outro homem. Você tem alguma amiga que passou por isso? Eu particularmente não conheço ninguém.
Percebe como o padrão familiar de Judy Garland a levou a inconscientemente se sentir atraída e escolher homens que justamente replicavam o cenário que ela entendeu como família desde a sua infância?
Necessidades emocionais
A terapia me ajudou a perceber que muitas vezes nos atríamos por quem atende nossas necessidades emocionais, seja por apoio, validação ou preenchimento de alguma lacuna sentimental.
A título de exemplo, uma mulher que teve suas necessidades emocionais negligenciadas na infância pode se sentir atraída por parceiros emocionalmente indisponíveis.
Como assim? Não teria que ser o contrário? Ela não deveria procurar por alguém que lhe dê o carinho e a validação que ela nunca sentiu enquanto criança?
Procurar sim, mas se sentir atraída é outra questão.
Fazendo terapia, entendi que nossa mente mais uma vez tentará seguir os padrões concebidos na infância. Ou seja, apesar de uma mulher com esse histórico desejar encontrar alguém que seja atencioso com ela, ela vai fatalmente se sentir atraída justamente por alguém indisponível e distante, de quem ela tente ganhar o amor e a atenção que nunca recebeu, perpetuando um ciclo de busca por validação em relacionamentos onde é improvável encontrar satisfação emocional.
Triste isso, né? Quem faz terapia consegue identificar e quebrar esse padrão. Mas e a vasta maioria das pessoas que não tem acesso a essa informação?
Dinâmicas de Poder e Papel
Esta faceta é muito curiosa.
As expectativas sobre papéis de gênero e dinâmicas de poder podem influenciar a atração.
Essa parte minha psicóloga me explicou várias vezes em terapia e vou tentar te ajudar a entender melhor com um exemplo.
Imagine um homem com traços de personalidade narcisista.
O que ele tende a buscar em um relacionamento? Sim – admiração e validação. Para tanto, ele pode usar de manipulação emocional para manter o controle e a superioridade no relacionamento, tentando – por vezes inconscientemente – fazer a parceira duvidar de sua própria percepção e realidade.
Mas o que leva essa mulher a se sentir atraída e permanecer neste relacionamento com uma pessoa com traços de personalidade narcisita?
Talvez o que a fez se atrair por este homem tenha sido padrões familiares, como vimos antes; ou necessidade de validação, uma vez que narcisistas frequentemente começam os relacionamentos sendo extremamente atenciosos e encantadores; e quem sabe a complementaridade de necessidades, quando a pessoa que se sente atraída pode ter uma necessidade inconsciente de cuidar ou de ser submissa.
Outra razão relevante é a autoimagem distorcida, com a internalização de críticas severas sobre si mesmos. Indivíduos com esta característica podem, ironicamente, buscar parceiros que reforcem essas crenças negativas, caindo assim em padrões de relacionamentos onde a depreciação é uma constante.
E o que a faz se manter neste relacionamento?
A parceira pode encontrar-se presa em um ciclo de dependência emocional e baixa autoestima, sentindo-se incapaz de deixar o relacionamento porque acredita, por exemplo, que não merece coisa melhor ou que é de sua responsabilidade ajudar o narcisista a mudar ou melhorar.
Diante de todas estas circunstâncias sobre o que pode unir um canal, surgem alguns questionamentos:
Se eu estou com alguém por alguma das dinâmicas mencionadas e, por ventura, resolvo as questões emocionais que me fizeram escolher determinado parceiro, isso significa que vou perder a atração que sinto por ele?
Não te parece que a plenitude do amor fica chamuscada uma vez que o que me atrai em alguém pode estar ligado a um padrão de comportamento que me faz mal?
De fato, as sessões de terapia me fizeram perceber que “o aumento do conhecimento apenas amplia o horizonte do desconhecido.”
O que você pensa sobre tudo isso? Eu ficarei muito feliz de saber.
Uma resposta
“isso significa que vou perder a atração que sinto por ele?” acredito que sim. Tive uma amiga que fez terapia e me disse: tu tem que estar preparada pra descobrir coisas de ti, que tu não sabia..e isso vai te levar a agir. Às vezes de forma que tu nunca imaginou. PS: se separou do marido.
Concordo com essa frase: “o aumento do conhecimento apenas amplia o horizonte do desconhecido.” Conforme interpretou Sócrates, essa outra frase faz muito sentido: “só sei que nada sei”. 🙃